As grandes sinfonias da história da música estão cercadas por histórias tão surpreendentes quanto o sentimento de perplexidade que provocaram em suas primeiras audições. O gênero nasceu ao mesmo tempo que a instituição dos concertos públicos com ingressos pagos, nas décadas finais do século 18. Firmou-se durante o século 19 – e na medida em que aumentava o efetivo dos músicos na sinfônica erguiam-se templos cada vez maiores para acolhê-los. O início do século 20 assistiu ao clímax e estertor de um gênero que deixou de ser hegemônico na criação musical contemporânea, mas continua dominante nas instituições musicais.
Entre o seu nascimento pouco antes de meados do século 18 em Mannheim e o início do século 20, quando a reprodução fonográfica alterou o paradigma de escuta musical, a sinfonia sempre foi acontecimento extraordinário. Haydn fixou a forma com suas 104 sinfonias, mas foi Beethoven que iniciou a linhagem das sinfonias monumentais, com sua “Nona” (1824), em Viena, seguida, seis anos mais tarde, em Paris, da “Sinfonia Fantástica”, na qual Hector Berlioz encarna a atitude estética do romantismo que dominou o século 19.
De certo modo, a “Oitava Sinfonia” de Mahler, estreada em 1910 em Munique, remete a linhas mestras de suas duas ilustres ancestrais. De um lado, retoma o ideal da “Ode à Alegria”, o poema de Schiller encaixado por Beethoven no movimento final. “Para Mahler”, como bem acentuou Jorge de Almeida em sua palestra sobre a “Oitava” na última quinta-feira na Sala São Paulo dentro da série Música na Cabeça, “o ideal dessa ‘verdadeira sinfonia’ continuava sendo a “Nona” de Beethoven, em que a elaboração sinfônica da reconciliação musical de temas contrastantes sublinhava o apelo de Schiller para que a humanidade procurasse o criador ‘acima do céu estrelado, pois sobre as estrelas ele deve morar'”.
Essa busca levou Mahler a mergulhar no hino pentecostal “Veni Creator Spiritus”, do século 9.º, para compor o primeiro movimento. Mas é até certo ponto curioso que, como Berlioz fizera 80 anos antes, também Mahler vai fundo nos textos do “Fausto” de Goethe. O autor da “Fantástica” toma o “Fausto” como modelo diluído pelo seu drama pessoal de conquistar a atriz irlandesa Harriet Smithson e constrói sua sinfonia em duas partes – com “Lélio”, cena dramática hoje raramente incorporada. Mahler é direto: utiliza, no enorme segundo movimento, a cena final do “Fausto” de Goethe.
Num plano mais geral, Beethoven proclama, na “Nona”, a confraternização dos homens na Terra, mas Mahler quer, na “Oitava”, construir “planetas e sóis girando uns sobre os outros”, lá onde mora o Criador mencionado por Schiller.
Não duvide. São Paulo assistirá, nesta semana, a uma apoteose, pois a “Oitava” caracteriza-se por uma monumentalidade que ultrapassa sua escrita ou o número dos que a interpretarão. É o último grandioso marco sinfônico do gênero, “a única sinfonia cantada do começo ao fim”, como ele gostava de repetir.
Para ensaiar adequadamente a Oitava, por exemplo, a Osesp não fez seus costumeiros concertos na semana passada, para concentrar-se nos primeiros ensaios para a Sinfonia dos Mil – assim apelidada pelo número de seus participantes: oito solistas e três corais além de uma vasta orquestra com bem mais de uma centena de instrumentistas. Comandando-os estará o célebre maestro russo Gennady Rozhdestvensky. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
OSESP – Sala São Paulo (Praça Júlio Prestes, 16). Tel. (011) 3323-3966. 3ª e 5ª, às 21h; sáb., às 16h30. R$ 40/ R$ 135. Ensaio aberto hoje, 18h (R$ 10).