Os sumiços do cantor e compositor Belchior

Domingo passado, o programa Fantástico, da TV Globo, apresentou uma matéria estarrecedora. O site de notícias das Organizações Globo resumiu o material: “Um mistério na MPB: o que terá acontecido com Belchior, compositor e intérprete que estourou nos anos 70, foi gravado por grandes nomes como Roberto Carlos e Elis Regina e nunca deixou de receber convites para shows em todo o Brasil?

A única coisa que se sabe é que ele sumiu do mapa. (…) Descobriu-se também o hotel em que ele morou e onde viveu por pouco mais de um ano. Belchior saiu deixando tudo para trás, inclusive um carro Mercedes Benz no estacionamento ao lado.

Para aumentar o mistério, em outubro do ano passado, outro carro de Belchior foi abandonado no estacionamento do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e continua lá até hoje. São quase R$ 18 mil em dívidas. Telegramas enviados pela administração do estacionamento foram devolvidos pelos Correios”.

Até o fechamento desta matéria, não havia nenhum indício de onde estaria Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes – seu nome de batismo, o nome que trouxe do Ceará com a turma que chegou no início da década de 1970 em São Paulo (ele, Fagner, Ednardo, Teti, Cirino, Rodger Rogério e Amelinha).

Durante a semana, humoristas se divertiram com o desaparecimento do cantor e compositor. Diziam que ele fugiu, mas que não foi longe por que ele tem “medo de avião’.

Que não saiu do continente, pois é “apenas um rapaz latino-americano’. Que poderia estar no Corcovado, ou em Copacabana, numa dessas paralelas da vida. Você pode até dizer que eu estou por fora. Ou então que eu estou inventando.

Mas tão preocupante quanto o sumiço físico de Belchior, é o seu desaparecimento artístico. Dele e de tantos artistas que forjaram a atual música brasileira e estão, atualmente, completamente afastados do “primeiro mundo’ do showbiz.

Converse com muitos compositores e cantores que hoje fazem sucesso são muito influenciados pelas grandes canções do cearense, que era o contraponto pop ao estilo romântico de Roberto Carlos (mesmo tendo composto a bucólica Mucuripe, cantada pelo Rei em seu álbum de 1975) e ao político “sério’ de Chico Buarque.

Com influências da Jovem Guarda, dos Beatles, dos Novos Baianos e da MPB produzida nos festivais, Belchior venceu um temporão festival universitário em 1971 e logo depois começou a ter suas composições interpretadas por grandes nomes. Mucuripe, antes de Roberto Carlos, foi de Elis Regina, que é disparada a grande intérprete de Belchior.

Se não por todas, certamente por uma: Como Nossos Pais, praticamente a trilha sonora da juventude dos anos 70s, destaque do álbum Falso Brilhante, para muitos o melhor disco de Elis. Mas o cearense não criou apenas as duas canções.

Dele também são A Palo Seco, Paralelas (“No Corcovado / quem abre os braços sou eu / Copacabana, uma semana / o mar sou eu”, sucesso com Vanusa), Apenas Um Rapaz Latino-A mericano, Velha Roupa Colorida.

Nos Estados Unidos, um compositor que escreve seis clássicos como os citados acima seria aclamado para o resto da vida. Aqui, no país onde tudo se esquece, Belchior “desapareceu’ da mídia. Não interessou mais às gravadoras, não tinha espaço nas emissoras de TV, suas músicas não tocavam no rádio.

Alguns podem dizer – “é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. Mas falta no Brasil o espaço digno àqueles que construíram a música de hoje.

Belchior é só um exemplo. Seu parceiro Fagner, que atingiu mais sucesso popular, também está distante dos grandes centros. Caso semelhante aos de Simone e Joanna. Ednardo, que só estourou com o Pavão Misterioso, também está “desparecido”.

Da grande música feita no País na década de 1970, só mantém o ritmo aqueles que eram os principais nomes: Chi,co Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia.

Belchior sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu. Mas já estava sumido antes mesmo de divulgarem o assunto. No nosso país, somos capazes de fazer sumir até mesmo quem está diante dos nossos olhos. É, ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais…

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