Com o lançamento mundial do filme “Sinais”, do talentoso diretor M. Night Shyamalan (“Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”), parece oportuno (e até necessário) que se retome a discussão sobre aquele que é um dos mais intrincados enigmas da atualidade. Embora o filme tenha muito pouco da realidade do fenômeno, constituindo mero exercício de falta de imaginação, por certo terá o condão de reabrir o debate sobre um fato aparentemente sério, que continua a desafiar cientistas e estudiosos, tem deixado o mundo perplexo e permanece sem explicação. Se o leitor ainda não o conhecia, terá aqui um breve panorama dele.
O mistério começou no verão inglês de 1980. De repente, estranhos círculos passaram a surgir do nada em campos de cereais (trigo, aveia, cevada e cânola), em Westbury, no condado de Wiltshire, no sul da Inglaterra. As primeiras figuras mediam de 1 a 25 metros de diâmetro e eram, quase sempre, circundadas por um ou mais anéis concêntricos, que podiam ser melhor observados do alto. No chão, constatou-se que as plantas eram simplesmente dobradas, por alguma força desconhecida, sempre com o cuidado de não danificá-las ou quebrar-lhes os caules. As dobras, quase em ângulo reto, ocorriam um pouco acima do solo e, no conjunto, formavam uma roda traçada em espiral, de modo preciso e geometricamente perfeito. Às vezes, os círculos se desdobravam ou se multiplicavam, formando desenhos variados, com a mesma harmonia e exatidão.
O primeiro relato desses acontecimentos partiu de um camponês que, ao fazer uma vistoria em sua plantação de aveia, constatou, no solo, em um dos cantos de sua fazenda, a presença de um curioso círculo sem nenhuma explicação. Era maio de 1980. Pouca importância foi dada ao fato. No entanto, logo em seguida, em um campo vizinho, apareceram outros dois círculos – um em 21 de julho e outro em 31 de julho. Supondo terem sido feitos por helicópteros da Escola Britânica de Infantaria, instalada nos arredores, os proprietários foram reclamar aos militares, mas o Exército negou categoricamente qualquer responsabilidade na ocorrência.
Foi o que bastou para que os ufólogos, pesquisadores de objetos voadores não identificados, os ovnis ou ufos, entrassem em cena. Amostras do terreno foram coletadas e analisadas pela Universidade de Bristol. Nenhum sinal de radioatividade foi encontrado, mas a imprensa adorou. Em títulos garrafais, os jornais da região e um semanário de circulação nacional logo anunciaram o pouso de naves extraterrestres. E isto se prestou para desmoralizar o assunto e transformá-lo em chacota internacional.
Ovnis ou fato
atmosférico?
Ken Rogers, do British UFO Society, foi o primeiro e mais obstinado defensor da ligação dos círculos com os ovnis. No entanto, em meados de 1981, quando novas figuras foram localizadas, em Cheesefoot Head, a 25 km do célebre círculo de pedras de Stonehenge, ele passou a acreditar que o fenômeno se devesse a misteriosas forças místicas. Ambas as teorias foram contestadas pelo físico e meteorologista Terence Meaden, que dirigia a Tornado and Storm Research Organization. Para Meaden, os círculos nada mais eram que produtos de algum tipo desconhecido de redemoinho ou vórtice atmosférico análogo às trombas de ar (whirlwind).
Durante algum tempo, prevaleceu essa tese. Contudo, a complexidade das formações e a evolução destas obrigaram o próprio Meaden a mudar de opinião. Até porque a ausência de uma tradição folclórica, como seria de se esperar no caso de fenômeno natural, indicava que se tratava de um acontecimento recente. Para complicar, os círculos passaram a aparecer também em outros países – como Canadá, Alemanha, Holanda, Estados Unidos, Austrália, França e até mesmo, embora de forma um pouco diferente e bastante reduzida, no Brasil -, com condições climáticas e geográficas muito diversas. E voltou-se à estaca zero.
Fenômeno novo
Seja qual for o agente causador dos círculos ingleses, não há dúvida que eles representam um fenômeno anômalo genuinamente novo para a humanidade. Talvez o primeiro desde o aparecimento, nos EUA, dos denominados discos voadores, em 1947. Com uma vantagem adicional: os círculos e as demais figuras geométricas são reais, concretos e palpáveis, podem ser visitados, examinados, medidos e até fotografados – embora permaneçam inexplicáveis. Formam-se da noite para o dia e ninguém conseguiu, ainda, flagrar os seus autores em atividade, apesar das reiteradas tentativas, através de exaustivas vigílias.
Afastada a possibilidade de causas naturais, qual seriam, então, o causador e o significado desses fantásticos hieróglifos? Representariam efetivamente mensagens cifradas para a humanidade deste planeta, emitidas por inteligências superiores, alienígenas ou não? Ou não passavam de travessuras de um bando de irresponsáveis desocupados?
Doug & David
No início dos anos 90, atônitas e pressionadas pela opinião pública, as autoridades britânicas ofereceram um prêmio em dinheiro a quem conseguisse descobrir a origem dos círculos. Dois sexagenários ingleses de Preston Highs, Doug Bower e David Chorley, logo se apresentaram. Foram ao tablóide Today e se proclamaram autores da proeza. A notícia chegou à revista Time e foi reproduzida mundo afora, inclusive aqui no Brasil, por Veja, na edição de 18/09/91.
Ingenuamente, os anciões anunciaram que eram os responsáveis por todos os círculos aparecidos na Inglaterra, desde 1960, num total então estimado em mais de 2.000. Sustentaram que, por pura diversão, costumavam caminhar à noite sobre os campos de cereais, formando com os pés os simétricos desenhos. Chegaram a tentar reconstituir a façanha diante das câmeras de TV, valendo-se tão-somente do auxílio de uma prosaica enxada. O resultado foi ridículo, já que o máximo que conseguiram reproduzir foram figuras toscas e mal enjambradas, de minúsculas dimensões e totalmente disformes, sem nenhuma semelhança com as “originais”. Depois, assustados com a repercussão internacional, “reduziram a produção” e assumiram a autoria apenas dos primeiros círculos.
Apesar disso, prevaleceu a versão dos velhinhos. Até hoje, oficialmente, eles continuam sendo os criadores da exótica “arte”. Ninguém esclarece, porém, como conseguiram tão extraordinário feito, com tamanha precisão, em tão pouco tempo e ainda por cima à noite, sem qualquer iluminação. E como puderam agir em variados lugares ao mesmo tempo.
Arte aperfeiçoada
Foi só a dupla Doug & David reivindicar a paternidade das “obras” para que o fenômeno evoluísse. Como se o verdadeiro autor quisesse mostrar com quanto paus realmente se faz uma canoa, os desenhos começaram a se complicar, tornaram-se sofisticados, atrevidos e muito mais impressionantes. Os antigos círculos e anéis sobrepostos viraram pentagramas, mandalas e pictogramas Em alguns casos, as formas passaram a ser compostas de mais de 200 figuras geometricamente perfeitas, numa extensão de até 300 metros de comprimento. Hoje, o total ultrapassa a casa de 10 mil, dos quais cerca de 98% estão na Inglaterra, mais precisamente no sul e sudoeste do país, nas proximidades da região onde se situa Stonehenge – o monumento megalítico mais importante da Grã-Bretanha.
Não é descartável a hipótese de uma boa porcentagem de fraude. Talvez cerca de 30% do total. Mas e os 70% restantes? Continuam surgindo todos os anos, entre os meses de maio e setembro, quando é verão na Europa e as safras estão perto da maturação. Milhares de estudiosos e curiosos mantêm-se de plantão no local. Até hoje, ninguém conseguiu desvendar o mistério. Nunca foram encontradas pegadas de pessoas ou marcas de pneus nas redondezas, nem mesmo sobre as plantas, no interior das figuras.
Um amigo meu defende a tese de que tais desenhos, tão perfeitos e espetaculares, são criados em computadores. Ele só não explica como são, depois, transportados para os campos de trigo, aveia e cevada…
“Não é gente daqui”
Por volta de 1998, financiado pela Fundação Lawrence Rockfeller, o pesquisador Colin Andrew reuniu ex-agentes policiais e detetives britânicos de primeira linha e pôs-se em campo. Queria aproveitar a experiência de profissionais para descobrir se havia vestígios da ação humana no mecanismo de confecção daquelas formas. Uma vez mais, o resultado foi negativo em mais de 70% das figuras.
– Isso significa que, se não são feitos pelo homem, esses círculos só podem estar sendo feitos por alguém que não é deste planeta – concluiu o pesquisador.
Em tempo: recentes medições têm revelado a presença de alguma radioatividade nas áreas atingidas.
CONCLUI NO PRÓXIMO DOMINGO
Esqueça o filme, leia o livro
Um dos mais completos trabalhos escritos sobre o fenômeno nos trigais da Inglaterra ainda é O Enigma dos Círculos, de Ralph Noyes, com fotografias de Busty Taylor, para a Gateway Books, em 1990, edição nacional da Editora Mercuryo (1992), com tradução de José A. Ceschin.
Royes pertenceu ao Serviço Civil inglês, servindo no Air Ministery, depois unificado ao Ministério da Defesa da Inglaterra. Em 1977, aposentou-se como subsecretário de Estado. Hoje, além de escritor, é conferencista e mantém programas de rádio e televisão sobre assuntos de interesse atual. É membro fundador do Centro de Estudos dos Círculos Misteriosos. Para ele, “o mistério dos círculos é o segmento da ufologia que mais nos aproxima de uma resposta ou de um contato final com a realidade extraterrestre”.
Em O Enigma dos Círculos, Ralph Noyes tem a colaboração de Michael Green, arqueólogo e historiador; Archie E. Roy, professor e astrônomo; Hilary Evans, cientista e escritor e pesquisador de fenômenos extraordinários; John Michell, escritor; Bob Rickard, editor de livros; George Terence Meaden, doutor em física e fundador da Organização de Pesquisa dos Tornados e Tempestades; George Wingfield, engenheiro e pesquisador dos espectros estelares e da magnetismo terrestre; Richard G. Andrews, fazendeiro e agricultor, com grande experiência em artesanato rural e silvicultura e estudioso de hidroscopia e radiestesia; John George Baillie-Hamilton Haddington, pesquisador de práticas rituais, sistemas de magia e crenças metafísicas das sociedades não ocidentais; F.C. “Busty” Taylor, piloto e fotógrafo; e Lucy Pringle, secretária do Centro para Estudos dos Círculos Misteriosos.
O filme de Shyamalan é apenas uma bobagem.