Ele quer subir ao poder disposto a ser louvado, adorado, endeusado. Na verdade sente-se deus em todos os seus poros. Preparou-se para galgar, degrau por degrau, a íngreme subida das escadarias do palácio. Nunca se importou qual seria o palácio, mas seria sim, um palácio à altura de seus desígnios.

Nessa longa subida, precisou muitas vezes voltar-se para saudar a multidão ansiosa. Fez-se adorar pelo carisma ensaiado de seus gestos, de suas promessas redentoras, de sua fala enérgica e sábia.

No seu íntimo tinha uma estratégia perfeita: daria pão e afago abundantes e pronto!

Viveu no meio malcheiroso do povo, agüentando a indignidade do contato quase íntimo, apenas para descobrir o que precisaria para chegar ao topo.

Em sua mente, a imagem da velha avó com o enorme bolsão do avental cheio de grãos de milho postada diante de quase uma centena de porcos famintos, não o deixava um momento sequer. Os porcos faziam um barulho ensurdecedor e a rodeavam ameaçadores à espera do alimento mínimo. Ele tinha a impressão que a qualquer momento iriam agredi-la. Passar por cima da frágil criatura, pisoteando seu corpo até total destruição. Ela sabia, porém, o momento exato de meter a mão no avental e começar a espalhar os grãos barulhentos. Jogava-os para longe, espalhando-os como pequenos sóis a percorrer parábolas encantadoras. Os porcos percebiam a trajetória e se amontoavam no ponto de impacto, numa briga corporal digna de autênticos suínos para disputar cada pequeno naco de comida. A avó livrava-se do assédio rapidamente e os porcos saciados, voltavam a seu redor, mansos e calmos. Pequenos tapinhas em dois ou três deles e lá se ia a avó intacta para dentro de casa, deixando-os felizes. Tiveram o pão daquele dia, o afago corruptor.

Do alto das escadarias ele olhava a multidão e via porcos lá embaixo. Piscava várias vezes sem sucesso. Via porcos! Sentia-se como sua velha avó. Iria acalmar a todos eles com um punhado de milho. Depois era só fazer um afago e pronto! Poderia curtir as honras do poder.

Um pesadelo, contudo, o assaltava quase todas as noites. Via sua avó desesperada jogando mais e mais punhados de milho e os porcos não se acalmavam. Desprezavam o milho inútil e avançavam ameaçadores. Por algum processo desconhecido eles não mais se saciavam com suas cotas miseráveis e queriam mais. Rejeitavam, ingratos qualquer tentativa de afago. O grande bolsão se esvaziava rapidamente e ela fugia desesperada. No caminho, mais e mais porcos surgiam de todos os cantos. Em seu pesadelo não era mais a avó que fugia. Era ele mesmo com suas vestes sendo rasgadas e sua pele divina dilacerada por nojentos porcos revoltados.

Acordava com suores abundantes e coração forçando saída pela garganta seca. Os gritos paravam repentinamente e no silêncio do quarto ele se acalmava.

No dia seguinte, ou melhor, na noite seguinte dormiu como só um deus é capaz. Nenhum pesadelo a perturbar-lhe o gosto doce do poder iminente. Era véspera de eleições e ele sentia-se preparado para enfrentar os porcos com os bolsões abarrotados de milho que o novo cargo lhe daria abundantemente.

Aqui fora, sem sonhos ingênuos, os porcos aguardam ansiosos o momento de tornar realidade o pesadelo dos pretensos deuses.

Airo Zamoner é

escritorairo@cepede.com.br
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