Os Katukinas pertencem à família lingüística Pano, que se concentra nas fronteiras do Peru com a Bolívia e com o Brasil. “Com os olhos da serpente: homens, animais e espíritos nas concepções Katukina sobre a natureza” é o título da tese de doutorado (USP, 2000) de Edilene Coffaci de Lima, professora do Departamento de Antropologia da UFPR, resultado da permanência de 18 meses entre os índios a partir de 1991.
A autora escreve a respeito deste grupo que, em 1998, era constituído de 318 pessoas distribuídas em terras indígenas do rio Campinas (com 32.623 ha) e do rio Gregório (com 92.859 ha). Destaca suas migrações, sua economia, a noção de pessoa katukina, as restrições alimentares, os destinos dos mortos, o xamanismo e a forma como classificam a natureza.
Os Katukinas estabelecem relações com animais e espíritos, como as estabelecem entre si. “A concepção de humanidade se estende além dos próprios humanos”. A extensão, entretanto, não deve ser entendida “como se entre pessoas, animais e espíritos não se estabelecessem quaisquer demarcações” (p. 2), e cada domínio se comunica com os demais.
As cobras têm segredos. A autora explica que rono significa todos os ofídios; é a categoria cobra. As cobras que figuram nos mitos são as cobras não-venenosas. Encontrar-se com uma serpente e sentir alterações sensoriais, como o turvamento de visão e tremores, indica que a cobra transmitiu o rome (traduzido livremente como “pedra”) e significa que essa pessoa foi eleita para o xamanismo. “O tamanho da cobra (muito grande/grande) parece determinar a quantidade de segredos que pode revelar e se o homem poderá atuar como xamã (romeya) ou rezador (shoitiya)”. (p.133)
Se o homem escolhido pela serpente não tem interesse em vivenciar essa eleição, pede-lhe sorte com as mulheres, ou na caça, pois a associação mítica das cobras com o sucesso na caça repercute no prestígio social. As cobras não venenosas, especialmente os boídeos são consideradas imortais. A imortalidade é característica também de um lagarto e de uma árvore conhecida como mulateiro. Os três, que trocam de pele (casca), mostram grande quantidade de rejuvenescimento.
Dentre os remédios que utilizam, o kampo (veneno de sapo) é recomendado como estimulante cinegético. Para caçar, “um rapaz pode receber mais de cem aplicações de kampo, que formam uma fileira que se inicia no pulso de um dos braços, percorre o peito até alcançar o umbigo, donde segue, no lado contrário, até alcançar a extremidade do outro braço (…) para garantir uma performance mais vantajosa na caça”. (p. 75)
Depois de retirar a secreção do dorso e das patas de kampo, uma pessoa deve devolver o sapo vivo à mata. Se o kampo for morto, a cobra surucucu aparece no caminho dessa pessoa e ameaça matá-la, picando-a, porque as cobras também utilizam o seu veneno.
Os rezadores recebem a revelação dos cantos de cura pelo Espírito da Serpente, a partir de seus próprios sonhos e do sonho de outros, formados a partir dos cantos que outros rezadores ensinaram. Eles começam as curas pela pergunta de quais são os sintomas do doente, de que se alimentou e o que sonhou antes de adoecer. Elabora o diagnóstico e inicia a sessão de cura. Para “rezar” picadas de cobra, por exemplo, é preciso ter sido picado por uma cobra particularmente poderosa e que tenha mostrado, no decorrer da recuperação, o canto de cura correto contra seu próprio veneno.
Edilene sugere que se conheça melhor os Katukinas pelo endereço: www.socioambiental.org/website/pib/epi/katukina/katukina.shtm.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.
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