“Os Mutantes eram e serão demais”, disse Lulu Santos em Made In Brazil. A recém-lançada caixa Os Mutantes, com os álbuns que fizeram entre 1968 e 1972 comprova que sim, eles continuam demais por seu atrevimento e criatividade. Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias formavam o núcleo da banda e pareciam, por alguns momentos, acreditar que “a alegria anseia a eternidade”, como afirmou Nietzsche. Enquanto a alegria reinou, foram eternos e escreveram seus nomes na história da música mundial.

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Textos do jornalista e pesquisador Rodrigo Faour ajudam a contextualizar o papel da banda, que gravou o debute Os Mutantes em 1968. É um disco tropicalista.

Aberto com Panis Et Circensis (Gilberto Gil e Caetano Veloso), mistura Jorge Ben, Françoise Hardy e parceria de Sivuca e Humberto Teixeira. A criatividade autoral fica evidente em Senhor F e Tempo no Tempo. Os arranjos de Duprat obedeciam aos dogmas clássicos, mas com base em uma linguagem pop.

O grande salto vem com Mutantes (1969). Gil e Caetano já haviam sido exilados e, sem os gurus, o trio teve que se provar sozinho – com Duprat, que na prática era o quarto mutante. Ou quinto, já que é neste álbum que o baterista Dinho Leme entra na banda.

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Com um repertório acima da média, Algo Mais foi composta para uma propaganda da Shell e as fusões de 2001 apontam o futuro que queriam ver, fazendo parte dele. No ano em que o homem chegava à Lua, Arnaldo, Rita e Sérgio apareciam como extraterrestres na contracapa.

O desgaste do trabalho com Duprat fica claro em A Divina Comédia Ou Ando Meio Desligado (1970). As influências do rock internacional pesam na balança e o trabalho de clima sombrio soa sisudo até mesmo na releitura debochada de Chão de Estrelas. Haleluia e Oh! Mulher Infiel fecham o disco, e parecem ter sido feitas apenas para completá-lo.

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Gravado em Paris em 1970 e lançado 30 anos depois, Tecnicolor é válido apenas como curiosidade. Foi tão bem produzido por Carl Homes que os Mutantes perderam o que tinham de melhor: a espontaneidade. Liminha já havia entrado na banda e seu baixo também figurou nas faixas de Jardim Elétrico (1971) e Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (1972), álbuns de características siamesas nos quais predomina o descompromisso musical com a intensificação do lado irônico, porém crítico.

Os Mutantes deixaram registros em álbuns de colegas, discos de festivais e compactos. Parte dessas gravações compõe Mande Um Abraço Pra Velha, compilação concebida para a caixa que engloba os trabalhos gravados pela banda entre 1968 e 1972. O álbum é vendido separadamente no Itunes e pode ser ouvido em plataformas de streaming como Deezer e Rdio.

A faixa que dá nome ao CD permanecia inédita no formato digital e foi a última gravada pela banda com Rita Lee. Inscrita no Festival Internacional da Canção de 1972, a música antevê o rumo progressivo que os Mutantes tomaram em seguida e que, segundo Rita, foi uma das causas de sua saída.

Também pela primeira vez em CD, duas versões de Ando Meio Desligado. Uma delas saiu de álbum gravado durante o Festival Internacional da Canção de 1969. É uma faixa preciosa por mostrar o poder do trio em cima do palco. No final, eles fazem um carnaval e citam Augusto Marzagão, chefe do certame. A outra foi lançada em compacto em 1970, com barulhos de tiros no último minuto, inexistentes no registro lançado em LP.

Era um tempo beligerante. Disparos também são ouvidos no início de Glória ao Rei nos Confins do Além, que já havia saído em CD numa coletânea de 2006. Também de festival, a música de Paulo César de Castro foi gravada pelo trio em 1968 e parece ter sido feita por eles. Psicodélico com um pé no clássico, o arranjo é nitidamente baseado na escola de Rogério Duprat, e é bem possível que ele tenha dado algum palpite em sua concepção.

Certeza é a participação dos Mutantes em quatro faixas do álbum A Banda Tropicalista do Duprat (1968). Eles fazem covers de Beatles (Lady Madonna), The Cowsills (The Rain, The Park and Other Things) e Esther e Abi Ofarim (Cinderella-Rockfella), além de medley com Canção para Inglês Ver, de Lamartine Babo e Chiquita Bacana, de João de Barro e Alberto Ribeiro. Mais do que querer ser tudo ao mesmo tempo, as qualidades do grupo e de Duprat como músicos permitiam que eles fossem o que quisessem.

Menos raros, mas nem por isso desinteressantes, são os registros com os artífices da Tropicália. A gravação histórica de Domingo no Parque com Gilberto Gil está na coletânea. O compacto Caetano Veloso e Os Mutantes Ao Vivo (1968) – que de ao vivo não tem nada, ainda que o compositor e o grupo estivessem em cartaz com um show no Rio de Janeiro naquela época – tem suas quatro faixas incluídas no CD.

O clima é de festa, com gritos da “plateia”, intervenções de Gil e o trio acompanhando Caetano em Baby, Saudosismo, Marcianita e A Voz do Morto. Ainda merece destaque a capa psicodélica de Mande Um Abraço Pra Velha, que faz jus às ousadias gráficas dos álbuns de carreira que estão no box.