Os múltiplos olhares da atriz e diretora Olga Nenevê

Uma das principais referências no teatro curitibano, Olga Nenevê sintetiza a liberdade do olhar em imagens que revelam ecos das artes plásticas, cinema e dança. A atriz e diretora cruza as fronteiras artísticas e coloca o corpo como suporte de um teatro sensível às problemáticas do homem urbano.

À frente da Obragem Teatro e Cia, Olga ocupa as manhãs da semana com o processo de pesquisa do projeto Dossiê Büchner – baseado no dramaturgo alemão George Büchner.

A sede da companhia, no bairro Rebouças, é tomada por ações e experimentações que partem do conceito de oposição para se transformar em movimento.

A oposição com o estado sedimentado de ideias a levou a se tornar uma das encenadoras mais inventivas de sua geração, surgida nos anos 90. O percurso que vem sendo maturado desde os seus 20 e poucos anos é de um teatro “capaz de afetar os sentidos das pessoas e de levá-las à ação”. Com palavras atenciosas, Olga compartilhou um pouco das suas experiências:

O Estado: Como você se localiza no cenário teatral curitibano?

Caramba! Acho que a gente faz escolhas e elas determinam posições. Sou uma artista que integra um grupo de teatro atuante; que desenvolve uma linguagem particular e que se posiciona com seus trabalhos. Junto com o artista Eduardo Giacomini reconheço meu papel histórico na cidade, uma vez que trabalho para a construção de uma forma transformadora de teatro.

O Estado: De que maneira você enxerga o trabalho da Obragem no cenário teatral brasileiro?

A Obragem é um grupo que acredita na continuidade de pesquisa de linguagem e nesse sentido, está conectada a muitos outros grupos do país. A contaminação com outras áreas de atuação artística e o interesse por assuntos da vida urbana torna a Obragem um grupo engajado nas questões da cidade, do estado e do país. O grupo vem articulando a comunicação com outros artistas, intelectuais e diferentes públicos com o intuito de criar um ambiente propício ao diálogo.

O Estado: Artes visuais, cinema e dança: como essas influências interferem no seu processo de criação?

É um mistério como o processo cria arranjos e encontros entre as coisas. Gosto de trabalhar a partir do conceito de oposição e com tudo misturado o tempo todo. Vou relacionando os conceitos, mudando de lugar e experimentado e, de repente, tenho na sala de ensaio uma pilha de livros, músicas, filmes e tudo se transforma em movimento.

Mas, também, tento desequilibrar, a cada novo trabalho, algumas estruturas. Gosto de sentir a tensão necessária para um estado de alerta mais vivo, durante os ensaios.

O contato com outras áreas, e não só artísticas, acabam por me deixar cheia de problemas, que é o que eu gosto, quando estou num processo criativo. E, o teatro é o espaço livre que me possibilita circular por diferentes áreas.

O Estado: Como você vê o fenômeno de diretores que também escrevem?

Penso que está relacionado a um posicionamento político, porque o artista assume um modo de ver o mundo e as suas relações a partir de um conteúdo e uma forma que materialmente passam a existir.

Mas, também, isso acontece mais freqüentemente nos processos colaborativos de grupos que desenvolvem trabalho continuado, em que a organização orienta para o que você está chamando de fenômeno. As questões emergem de um ambiente com determinada configuração e linguagem.

O Estado: Quem são as suas influências no teatro e em que ponto elas mais interferem?

Caramba! As influências vêm de diferentes áreas e diferentes tempos da minha vida. Trabalho de uma forma muito misturada, porque atuo e estudo diferentes formas de expressão, sempre no “entre” das linguagens.

Leio muito, vejo muitos filmes, acompanho as ,artes visuais, mas, me interesso pelas cenas que estão nas ruas, na fala dos que estão perto de mim, também. Mas, vamos lá.

Hoje, posso dizer que Georg Büchner, com sua dramaturgia crítica, com muitas camadas de reflexão sobre o homem e, ao mesmo tempo, direta e explosiva, é uma grande influência.

No cinema, adoro os trabalhos do Wes Anderson, porque ele trata de relações familiares, por exemplo, com uma combinação de drama e humor que são irresistíveis. No cinema, ainda, as questões sobre representação, tratadas por Eduardo Coutinho têm me interessado muito. Também, os artistas com os quais trabalho diretamente no grupo Obragem acabam por me influenciar, porque admiro suas capacidades.

O Estado: Pode falar um pouco sobre o novo projeto, Dossiê Büchner, e qual a relação dele com os outros trabalhos da companhia?

Trata-se de uma combinação de várias ações voltadas para a pesquisa, criação e fomento do teatro. A interlocução entre os artistas do grupo Obragem e diferentes artistas e pensadores, como a atriz Eleonora Fabião e o tradutor Tércio Redondo; leitura de textos de Georg Büchner, oficina do grupo Obragem para artistas e estudantes de teatro; além de uma montagem, são algumas dessas ações.

A identificação com a obra de Büchner revela sobre as características do grupo Obragem, que está construindo uma linguagem própria de expressão, por meio de uma dramaturgia textual original e pelo aprofundamento das questões do corpo.

Outros trabalhos do grupo Obragem discutem as formas de opressão que atuam sobre o homem e revelam sintomas da nossa sociedade, como o isolamento, o automatismo das relações ou a loucura, por exemplo. Dossiê Büchner dá continuidade ao desejo artístico do grupo Obragem, de entender as tensões que tomam o homem e o seu ambiente.

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