Quando ainda era uma atriz desconhecida do grande público, dedicada exclusivamente ao teatro, Eliane Giardini ouviu do diretor Antônio Abujamra a afirmação de que ?mulher de voz grossa nunca faz a mocinha da história?. Mais de 20 anos e várias novelas depois, a intérprete da divertida viúva Neuta, de América, ri só de lembrar o ?aviso?. E, de certa forma, credita ao fato de nunca ter vivido papéis protagônicos na tevê a absoluta satisfação com o momento atual da carreira, aos 51 anos de idade. ?Não passei uma vida inteira fazendo protagonista na tevê. Comecei com coisas pequenas e passei para os bons e grandes papéis. É uma trajetória ascendente?, constata, esbanjando serenidade.
De fato, Eliane não tem do que reclamar. Desde que se destacou em Renascer, ao transformar a inicialmente periférica Dona Patroa numa grande personagem, a atriz não parou mais de interpretar bons papéis, entre eles, a cigana Lola, de Explode Coração, a impagável Nazira, de O Clone, e a pintora Tarsila do Amaral, da minissérie Um Só Coração. Nem sempre, no entanto, foi assim. A ansiedade com relação à trajetória profissional já foi tão grande que Eliane pensou que não alcançaria o reconhecimento por seu trabalho. ?Imaginava que o tempo me daria esta barreira. As mulheres mais velhas só faziam mães choronas. Mas veio uma renovação e hoje elas têm outros interesses e até vida afetiva?, pondera, com seu habitual modo agitado de falar.
Neuta que o diga. Aos poucos, a austera viúva começa a se dar conta do indisfarçável interesse romântico do peão Dinho, vivido por Murilo Rosa, além dos olhares cobiçosos de vários peões de Boiadeiros. Enquanto isso, Eliane se diverte com o jeito ?desligado? da personagem. ?Acho legal ela não perceber que tem este apelo?, avalia a atriz, que não vê a hora de Neuta se deparar com a revelação do homossexualismo do filho, Júnior, interpretado por Bruno Gagliasso. ?Cativar as pessoas com uma personagem e depois apresentar uma problemática dessas é praticamente uma terapia em grupo?, ressalta Eliane, entre risos.
P – Você está num núcleo cheio de atores mais jovens. Gosta desta troca de experiências entre gerações?
R – Adoro, até porque tenho filhas nesta mesma idade, com vinte e poucos anos. Aliás, acho que tenho um canal de comunicação nesta faixa, porque tenho amigos com esta idade, saio muito com pessoas dessa idade…
P – Esta convivência faz você avaliar sua própria trajetória como atriz?
R – Uma das coisas que aprendi, e que todo mundo já sabe, é que o tempo é relativo. Às vezes, vejo uma menina falando: ?Nossa, já tenho 28 anos e não aconteceu nada na minha vida?. Isso é uma coisa que hoje enxergo de outro modo. Se aos 40 anos você faz um bom trabalho e é reconhecido, é o mesmo que você ter feito isso nos 20 anos anteriores. O tempo não conta muito, é subjetivo mesmo. É claro que existe o tempo cronológico, mas tudo é muito relativo. Existe o tempo de cada um e o tempo de cada coisa. Às vezes, acontecem coisas que parecem até milagre, você se pergunta: ?Meu Deus, de onde veio isso??. Parece que uma outra dimensão de tempo entrou ali no meio. Hoje percebo que é mais do jovem esta coisa de correr atrás do tempo. Depois você percebe que o tempo pode ser elástico às vezes.
P – Você acha que hoje lida melhor com a passagem do tempo?
R – Acho que estou na idade do ?tudo posso?. Uma hora isso passa. Mas faço parte de uma geração meio emblemática, que rompeu com milhares de padrões e valores estabelecidos na década de 60 e agora está rompendo com os limites da velhice. Assim como aos 20 anos eu percebi que, se quisesse, poderia não me casar, ou casar de vermelho, ou estudar… É a mesma geração, uma geração do questionamento. A gente descobriu que não precisa colocar um pijama e ficar aposentado em casa, porque existe uma vida para se reescrever e se recriar. Não sei como vai ser a velhice da minha geração. Estou vendo muita gente envelhecer muito bem e outros envelhecendo muito mal. Eu estabeleço metas para mim, é possível fazer concessões e estabelecer exigências. O fato de querer permanecer na juventude é péssimo. É preciso trabalhar para estar bem, com muita saúde, o melhor que se puder ficar, mas sem querer se fixar no passado.
Escolha apaixonada e temerária
Quando diz que, aos 20 anos, descobriu que ?se não quisesse, não casava?, Eliane Giardini não está apenas usando uma frase de efeito. De fato, a atriz desmanchou um noivado com um médico de Sorocaba, sua cidade natal, ao receber um convite para participar das filmagens de um longa-metragem na Paraíba. O acaso foi o pontapé que faltava para a virada na vida de Eliane. Ela começou a fazer teatro amador e, em pouco tempo, ingressou na Universidade de São Paulo. Foi lá, inclusive, que conheceu o ator Paulo Betti, com quem ficou casada durante 24 anos.
Mas o sucesso na tevê demorou a chegar. Desde a estréia, em 1982, até sua primeira personagem de destaque, em Renascer, foram 11 anos. Eliane costumava dizer que, se até os 40 anos não alcançasse o reconhecimento profissional, desistiria da carreira. E foi justamente com esta idade que interpretou Dona Patroa, personagem que não tinha sequer nome na sinopse da trama de Benedito Ruy Barbosa. Mas o trabalho da atriz convenceu o autor a transformá-la de esposa submissa e recatada em uma mulher atraente e determinada, espécie de ?heroína? das donas de casa. Desde então, Eliane emenda bons papéis na tevê. ?Depois de tanto tempo, achei que não iria conseguir mais. Mas foi um medo infundado?, conclui.
Uma estória ligada ao abrir das cortinas
A história de Eliane Giardini sempre foi ligada ao teatro. A atriz iniciou sua carreira nos palcos e foi uma das proprietárias do espaço teatral Casa da Gávea, na zona sul do Rio de Janeiro. Hoje, Eliane sempre arruma espaço na agenda para cumprir temporadas sobre os palcos. A próxima delas deve ser com Tarsila, espetáculo escrito por Maria Adelaide Amaral sobre a pintora Tarsila do Amaral, que Eliane viveu também na minissérie Um Só Coração, da mesma autora. A primeira temporada aconteceu no ano passado, logo depois da minissérie. Foi a primeira vez que Eliane teve a chance de interpretar uma mesma personagem na tevê e no teatro. ?O nível de aprofundamento que se consegue no teatro é incomensurável. A personagem tomou uma profundidade que não tinha na tevê?, avalia.
Enquanto isso, Eliane vai adiando o sonho de montar Gota d?Água, de Chico Buarque e Paulo Pontes. O projeto existe há vários anos, mas a atriz ainda não conseguiu captar os recursos necessários. ?É uma peça muito grande, com muita gente e tem de ser bem-feita. Cada vez que leio o texto, tenho mais vontade de fazer?, ressalta a atriz, deixando transparecer uma pontinha de ansiedade. Logo depois, no entanto, ela retoma o tom sereno: ?Mas dá para segurar. A personagem central é mais velha e ainda tenho um bom tempo para fazer?.