Sorte penosa, esta pela qual passamos. Todavia, entre todos os males, momentos felizes na recordação despertam.

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Nuvens escuras pairavam ainda no céu do Velho Mundo, quando milhares de pessoas tomaram a decisão de deixar a sua pátria. Entre elas estava a minha família e eu junto.

Migrações repetem-se e existiram em todos os séculos. Oriundam de descontentamento, porém a maior influência tem o desejo do homem para o desconhecido – o misterioso.

Neblina de inverno sobre o porto e na hora da partida o velho amigo diz: ?Não entendo porque vocês vão, pois o Velho Mundo ainda tem lugar para vocês, e a Pátria não se troca como se mudam as vestes?… e com um : ?Já que vocês vão, Deus seja convosco? . Aperta as mãos, e desaparece entre a multidão para esconder as lágrimas.

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A sirene soa, e o navio repleto de passageiros deixa o porto. Longe, cada vez mais longe fica a nossa Pátria.

Céu límpido sobre o Atlântico, e nas noites um violino chorava –  chorava melodias de saudades do torrão natal e houve quem chorava junto. Lembrou-se dos amigos, do emprego deixado, do ensino e do berço da linguagem materna.

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Longa viagem; porém numa linda madrugada, o sol vermelho que se levantava sobre o mar, já encontrou-nos desembarcando num pequeno porto do Paraná.

Um trem foi nos levando serra acima sobre o planalto entre taquarais e pinheiros.

O que mais nos impressionou foram, sem dúvida, os pinheiros.

Ao cair da noite a viagem prosseguiu ao longo de um rio. As faíscas da locomotiva pareciam como milhares de vaga-lumes, e à noite escutava-se mais o apito da máquina que anunciava a nossa vinda.

Desembarcamos em uma pequena cidade e ainda, na mesma noite, embarcamos numa lancha e fomos rio abaixo até um pequeno porto, onde jantamos e dormimos o primeiro sono sob o céu do Paraná. Durante o sono, o apito da locomotiva me acompanhava no ouvido.

Dois dias de descanso e de concentração. Carroças puxadas por cavalos encostaram e levaram-nos e nossa bagagem pela estrada poeirenta, entre paisagens nunca vistas, até uma vila. E para diante não existiam mais estradas. Carregando e arrastando a nossa bagagem pelas picadas fomos chegando, cada vez mais para dentro da mata, e alcançamos o fim de nossa migração, num ambiente tão diferente do nosso.

Mas onde o homem constrói uma cabana, seja a mais rústica, que o proteja contra o tempo, e quando ele entre duas pedras acende um fogo, ele sente-se em casa e achou uma nova Pátria.

Quando nós, após árduo trabalho, à noite, sentávamos em redor do fogo, e enxergávamos nas brasas vermelhas – jardins e castelos, a água cantava na chaleira, e o velho despertador em cima de uma caixa trabalhava com seu maquinismo, o som era ainda o mesmo como o foi na longínqua Pátria, e nos sentíamos felizes e esperançosos. Naquele momento ninguém se importava com os sacrifícios que o futuro nos guardava.

Hoje, cinqüenta e um anos após daquele para mim tão memorável ano de 1921, quando a tempestade passa sobre a serra, o vento uiva e açoita a floresta, -, os pinheiros apenas um pouco balançam.

Eu com eles comparo a vida do eterno lavrador, o homem que diante o ímpeto de seu duro destino muitas vezes se curva, porém raras vezes esmorece.

No dia 25 de julho, eu gostaria parar em silêncio e olhar para aquelas toscas cruzes, no campo santo, perdido no imenso sertão. Cruzes que me lembram e me falam de meus velhos ex-companheiros da Grande Marcha para o Oeste.

Vale da Solidão – Bituruna – julho de 1972.

Um dia esquecido

Ivahy Dettlev Will

Jorge Will Senior foi um antigo colaborador do O Estado do Paraná. Viveu longo tempo em União da Vitória e Bituruna, onde por 60 anos manteve a reserva natural Vale da Solidão. Vindo em 1921 da Alemanha, foi sempre um sincero apaixonado pela flora e fauna do Paraná e seu intransigente defensor. Na ação e na palavra. Em suas Crônicas do Vale da Solidão, estava isto sempre presente. Mostrou que a voz que clama pelo real respeito à natureza, na prática, e o pensar filosófico podem perfeitamente se completar um ao outro. Este seu patriotismo desprendido foi reconhecido pelo governo do Estado do Paraná na década de 70, sendo-lhe outorgado um diploma de Conservador da Natureza. Pelo mesmo motivo, também recebeu o título de cidadão honorário de União da Vitória.

Autodidata, sozinho aprendeu o português. Meu querido pai, de saudosa memória! É meu patrono na Academia de Letras do Vale do Iguaçu, de União da Vitória. Dele é este texto acima, escrito para o dia 25 de julho de 1972 – Dia do Colono em homenagem aos emigrantes e a todos os nossos colonos. Esta data ainda se venera em alguns poucos lugares aqui no Sul do Brasil. Bolsões logo condenados a desaparecer. Mas de resto desprezada, não merece sequer uma menção dos srs. políticos em seus discursos, lá em suas câmaras de ar. Um importante marco desprezado, com tudo aquilo que ele representa do passado, do presente e do futuro.

Colono, hoje chamado de ?agricultor?. Eu também já fui colono. Oh, dura faina! E também tantas vezes coroada de injustos e dolorosos insucessos. Porém no Brasil existem demais, demais daquela casta que acham secundária e até desprezível esta profissão que cheira à terra. Mas que no entanto lhe planta a sua comida. Todo dia ouvimos agora ?mais nova ameaça?: Vai terminar logo o petróleo! Tragédia suprema à vista! Mas, e se o seu estômago, que também não deixa de ser um tanque de combustível, ficar vazio?…

Sim, está jogado o dia 25 de julho, o Dia do Colono, em alguma dessas gavetas bolorentas, onde o Brasil guarda e asfixia uma parte da sua História e da sua Identidade. Ivahy Detlev Will é membro da Academia de Letras do Vale do Iguaçu União da Vitória.