O desafio é quase bíblico: depois do grande sucesso de Os Dez Mandamentos como novela e filme, ambos produtos criados e popularizados pela TV Record, como convencer público e crítica que Os Dez Mandamentos – O Musical não é mais do mesmo? Foi esse desafio que o empresário Sandro Chaim se auto impôs ao decidir, em fevereiro, que investiria no espetáculo. “Minha intenção é a de oferecer um produto que agrade não apenas aos religiosos, mas também toda a família”, disse ele, apostando suas fichas no trabalho final, que estreia na sexta-feira, 17, no Teatro Procópio Ferreira.
Para comprovar a independência criativa do musical – mesmo que laços comerciais ainda o prendam à Record (leia abaixo) -, Chaim buscou unir o talento com o inusitado. Para começar, montou uma equipe com profissionais de primeira linha, como a diretora e coreógrafa Fernanda Chamma e os atores Julio Mancini (Moisés), Thiago Machado (Ramsés), Ivan Parente (Anrão), Tassia Cabanas (Zipora) e Bruna Pazinato (Nefertari), entre outros. Todos com comprovada experiência no gênero, o que diminuiu a desconfiança sobre a qualidade técnica e artística.
Ao mesmo tempo, Os Dez Mandamentos é o primeiro musical brasileiro com efeitos sensoriais, ou seja, propõe surpresas físicas aos espectadores – na cena da abertura do Mar Vermelho, por exemplo, ventiladores instalados no teto do teatro começarão a funcionar, espalhando um vapor perfumado. Em outra cena emblemática, a invasão dos gafanhotos como uma das pragas aplicadas por Moisés, pequenas reproduções em papel do bichinho também chegarão na plateia. “E, no momento em que Moisés tocar a água do rio com seu cajado e essa se transformar em sangue, uma pequena fonte localizada na lateral do palco também começará a despejar água vermelha”, informa Chaim, orgulhoso das novidades.
O que se pode chamar de joia da coroa, no entanto, é um imenso painel de LED de altíssima resolução e medindo 13 metros de comprimento por 4,5 metros de altura, instalado no fundo do palco. Por ele, serão exibidos todos os cenários do musical, da aldeia onde vivem os hebreus ao palácio de Ramsés – no total, 65 cenas utilizarão as imagens desse telão. Momentos impactantes também não vão faltar como a árvore flamejante que, representando Deus, vai oferecer as placas com os Dez Mandamentos a Moisés; e, finalmente, a tão esperada abertura do Mar Vermelho, que promete causar espanto.
Para criar um efeito de terceira dimensão, haverá ainda uma cortina fina, quase transparente, que descerá em determinados momentos na boca do palco, deixando os atores entre ela e o telão de LED. “A ideia é mostrar que o cenário vivo e o projetado na tela serão vistos de uma só forma, conferindo a ideia de perspectiva”, explica o produtor, que preferiu não divulgar o valor do investimento – o Estado apurou, no entanto, que, apenas para levantar o espetáculo, foram investidos cerca de R$ 3 milhões, sem contar o custo da manutenção.
Tanta parafernália torna-se secundária, porém, diante do talento e da missão do elenco. Afinal, a história de Moisés, desde o nascimento, o crescimento ao lado de Ramsés, até o ato de rebeldia ao buscar a libertação dos judeus e a fuga com seu povo, é contada em apenas duas horas, o que torna o musical com cenas mais curtas e com um ritmo cinematográfico. Assim, Fernanda Chamma criou um processo com liberdade total. “Há um casamento entre coreografar e dirigir, porque um complementa o outro. As coreografias dão lugar às marcas de corpo, situações cênicas com desenhos coreográficos”, comenta. “Busquei uma encenação mais dinâmica, que proporciona uma interação com a plateia, ou seja, os atores passearão entre as fileiras e, no intervalo, os pastores permanecerão com o público. O palco vai se esparramar pelo teatro.”
Nessas condições, a concentração tem de ser máxima. “Aqui, a resistência vocal é mais exigida que em outros musicais”, conta Thiago Machado, que ostenta um currículo de várias produções, como Mudança de Hábito e We Will Rock You. “As canções têm uma pegada pop, à la Disney, e não são apenas religiosas, como muitos ainda pensam.” Como o ritmo é mais rápido, o ator entende que a história tem de se concentrar em poucos fatos, justamente aqueles mais precisos. “Contamos aqui uma história de amor acima de tudo – a trajetória de dois homens que foram criados juntos, desenvolveram um amor de irmãos, mas que acabam separados por suas convicções.”
O entrosamento com Julio Mancini, que vive Moisés, portanto, é essencial. “A transcendência desse trabalho é o que me atrai mais”, conta ele. “É inacreditável a quantidade de pessoas que morreram em torno dessa luta de Moisés.” Também com experiência em musicais de ponta (destacou-se em Jesus Cristo Superstar), Mancini vai utilizar três perucas para marcar a passagem de tempo e o envelhecimento de Moisés. “Mas, como são apenas duas horas – ao contrário da novela, que se estendeu por vários meses -, não terei tempo para nuances na interpretação”, acredita. “Aos poucos, construí um personagem que se torna o líder de uma guerra, dividido entre o amor e a rivalidade.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.