O ativismo radical anda na moda. Não nas ruas, mas nas telas. Vimos antes Uma História de Loucura, sobre o genocídio armênio e a luta dos guerrilheiros contra a dominação turca. Agora, chega com Os Anarquistas, que mergulha no ambiente da mais radical e generosa proposta humana de organização – a sociedade sem Estado.
Esses discípulos de Bakunin são vistos na Paris do século 19, rebelados contra as péssimas condições de trabalho nas fábricas. Passam a viver em comunidade. E a perturbar a ordem pública (a ordem burguesa, como chamam) com assaltos e atentados. O filme é do diretor Elie Wajeman, o mesmo de Alihah, sobre jovens na comunidade judaica, já visto por aqui.
Em cena de Os Anarquistas, Tahar Rahim (de Um Profeta), ator muito intenso e que interpreta aqui um jovem policial. Ele é convocado para uma missão que poderá render-lhe dinheiro e promoção – infiltrar-se nos grupos anarquistas e passar valiosas informações para a polícia.
Jean (é o nome do personagem) passa a trabalhar na fábrica onde entra em contato com os radicais e ganha sua confiança. Acaba convidado para a comunidade, e lá conhece sua deusa e sua perdição – Judith, vivida por Adèle Exarchopoulos, parceira de Léa Seydoux em Azul É a Cor Mais Quente, o filme de amor lésbico que provocou muito falatório e ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2013.
A ideia básica de Os Anarquistas limita-se a este eixo – o dilema de alguém cuja profissão é trair e sente-se envolvido de maneira afetiva e sexual com quem deve denunciar. Desse modo, apesar do título, Wajeman centra mais a atenção nessa questão ética (com seus trágicos desdobramentos práticos) do que no modo de vida anarquista em si. Quem quiser um filme interessante sobre essa dimensão, veja Colônia Cecilia, do francês Jean-Louis Comolli, sobre um experimento anarquista brasileiro. Tema também do romance Um Amor Anarquista, de Miguel Sanches Neto.
Se o anarquismo fascina, com sua utopia de amor livre e desafio à autoridade, com todas as contradições que engendra, no filme de Wajeman ele se coloca cada vez mais como pano de fundo. À medida que a narrativa prossegue, é sobre o relacionamento entre Judith e Jean que a lente ajusta seu foco. O filme ganharia se alternasse, com uma elasticidade maior, a dimensão particular e outra, mais política.
Apesar de tudo, tem qualidades. A dupla principal de atores é ótima, com destaque para Tahar Rahim. A narrativa, no entanto, se limita a um classicismo pouco inventivo. Fala de revolucionários e de um amor convulsivo em linguagem bastante convencional, o que cria indesejável contradição interna. Sua limitação mais grave, a meu ver, é não captar o ar frenético da época, como fez tão bem, em outro tempo e dimensão, Olivier Assayas em Carlos, sobre o terrorista venezuelano Carlos, o Chacal.
No entanto, Wajeman não falha ao mostrar o caráter corrosivo da traição, que arrasta consigo o próprio traidor e faz com que fracasse quando supõe ter vencido. Nesse aspecto, conta com um grande ator para dar corpo, alma e olhar a essa debacle final.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.