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Os 80 anos de um Zé Celso infinito

O andar vagaroso e concentrado que pisa na pista não acompanha o fluxo de memórias que fluem no ritmo das águas da fonte de Lina Bo Bardi. Abrigado do frio no melhor teatro do mundo, de acordo com o jornal The Guardian, o intérprete do profeta cego Tirésias, de Bacantes, olha para o céu e explica ao fotógrafo porque o palco-rua do Teatro Oficina tem que aparecer em todas as fotos. “Isso aqui é um organismo, uma extensão de mim.”

Há 80 anos, o município de Araraquara, terra do escritor e amigo Ignácio de Loyola Brandão, recebia a chegada do xamã que despiu de desbunde Caetano Veloso e a Tropicália. “Não tropicalismo”, corrige Zé Celso. “Capital é bom, capitalismo não. Femme é bom, mas feminismo pode se tornar fascismo. As mulheres estão com tudo.” Nessa quinta, 30, o Teatro Oficina prepara uma surpresa para o diretor.

Na última semana da temporada de Bacantes, peça de Eurípedes em cartaz desde outubro do ano passado, Zé Celso falou à reportagem sobre a volta de O Rei da Vela e explicou porque não gosta tanto que seu público atual seja de jovens. Ele também criticou o atual secretário municipal de Cultura, André Sturm, e declarou que há possibilidades de um acordo histórico no caso do terreno do Grupo Silvio Santos.

“Olha esse teatro, eu não fiz nada sozinho. Cheguei aos 80 anos porque as pessoas estiveram comigo. É bom acompanhar alguém, mas é mais difícil ser acompanhado. Vocês me escolherem para esta conversa, mas o teatro não é feito de uma pessoa só. Eu nunca estive sozinho, só Bacantes tem um elenco de 70 pessoas e eu sou só um purgador.”

Na primeira versão de 1995, a peça deu impulso ao que o Oficina é hoje, com uma dramaturgia construída que passa pela fonte de Dirce ao jardim túmulo de Semele, até o teto móvel que abre a Uzyna Uzona para o cosmos. Com a plateia cheia de jovens, o diretor demonstra certo incômodo. “Meu projeto não era fazer teatro para só eles, embora seja boa parte do nosso público, infelizmente. Meu teatro é para quebrar tabus e as pessoas têm medo disso. É muito mais fácil assistir a um musical enlatado dentro de um shopping. Falam que aqui só tem gente pelada.”

Portanto, para ele, voltar com a mitologia de Bacantes era mais que necessário, assim como será com O Rei da Vela (1967), que Zé Celso afirma estar buscando a potência certa para voltar com tudo ao texto de Oswald de Andrade, protagonizado por Renato Borghi, que também completa 80 anos ao lado de Zé Celso. “Estamos num processo de reenergizar a obra do único filósofo original brasileiro. Não acredito como ele ainda não foi entendido por nós, nem mesmo a Universidade de São Paulo o estuda como deveria.” A concretização dessa montagem depende de apoio para garantir que a gigantesca produção circule pelo País, como planeja o diretor. Ainda assim, ele diz que falta uma infraestrutura básica ao Oficina. “Seu eu tivesse aquele carnê de noiva eu pediria todos os equipamentos, câmeras e refletores, para tornar esse teatro melhor”, explica sobre as transmissões ao vivo das peças e com legenda em inglês feitas no canal do teatro no YouTube.

Mas se Oswald abriu as portas para a antropofagia e Mário de Andrade para a Secretaria Municipal da Cultura, Zé Celso critica o atual secretário André Sturm por não compreender a importância de seu cargo. Na segunda-feira, 27, artistas do teatro, dança e outras linguagens saíram às ruas em protesto contra o descongelamento de 43,5 % da verba de Cultura para a cidade. A concentração programada na a escadaria do Theatro Municipal foi surpreendida com grades que cercavam o local. “Nem na ditadura eu vi uma coisa igual”, alertou.

“Aquele espaço é a casa dos artistas, ele não pode chegar lá e fechar tudo. A Cultura rege a educação e não o contrário, porque você pode educar para ser publicitário, administrador, mas a cultura desenquadra. É livre.” O diretor ressalta que o discurso do secretário, de que “artistas estão mamando nas tetas do governo”, não vale se o próprio Sturm desenvolveu projetos com recursos públicos. “Ele é talentoso, criou o MIS e mantém o Belas Artes, são coisas lindas e importantes para a cidade, mas não pode deixar que isso aconteça com ele, é algo que questiona sua própria trajetória. Queria poder falar com ele.”

O prefeito João Dória é outro com quem o diretor deseja conversar pessoalmente, longe de um espetáculo, “só caminhar pela pista.” Ele acredita que o prefeito não pode vender a cidade a qualquer preço. “Com um homem nascido no showbiz, era para a Cultura estar recebendo chuvas de dinheiro.” Essa aproximação também pretende sanar o caso histórico do terreno do Grupo Silvio Santos ao lado do Oficina, e que já dura 38 anos. Em 2010, o teatro foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) mas não resolveu o embate. “Existe na Secretaria do Planejamento uma chance de a Prefeitura oferecer outro terreno em troca por esse. De qualquer forma, eu agradeço ao Silvio Santos. Esse espaço sempre esteve aberto, e queremos mantê-lo assim. Livre.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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