Faz parte da trivia de Hollywood – em 1964, a Warner fez o musical "My Fair Lady", baseado no êxito da Broadway com Julie Andrews, que foi preterida na transposição da personagem Elisa Dolittle para o cinema. A cúpula da Warner – leia-se o tycoon Jack Warner – chegou à conclusão de que o filme dirigido por George Cukor era ambicioso demais para ser interpretado por uma atriz ainda desconhecida do público internacional. Audrey Hepburn interpretou a florista que vira grande dama por conta do tratamento que lhe dispensa o professor Higgins, interpretado por Rex Harrison (que também havia criado o papel no palco). Os críticos caíram matando.

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A maioria concordou que Audrey podia ser melhor na segunda parte, como lady, mas, na anterior, Julie Andrews teria se saído melhor como florista. A Academia de Hollywood entrou na polêmica. "My Fair Lady" ganhou um monte de Oscars, incluindo melhor filme, diretor e ator, mas quem levou a estatueta de melhor atriz foi Julie – que estrelava outro musical produzido no mesmo ano e era "Mary Poppins", da Disney. A Buena Vista Home Video está agora colocando para venda direta a edição comemorativa dos 40 anos de "Mary Poppins". É a quintessência das produções da Disney, dirigida com graça pelo artesão mais habilidoso da casa, Robert Stevenson, que conta de maneira esplêndida a história, adaptada do livro de P.L. Travers, sobre uma babá praticamente perfeita que opera grandes mudanças na vida de uma família rica de Londres, por volta de 1910.

Ficou famosa a cena de Julie Andrews, como "Mary Poppins", aterrissando na casa a bordo de sua sombrinha voadora. E o filme mistura live action com animação, um recurso em que a Disney foi pioneira, até pela supremacia que, durante décadas, exerceu sobre as técnicas do desenho animado. Cães, gatos, pássaros, flores – muita coisa do universo no qual Mary circula com as crianças é feita em animação, naquele tempo, a ainda tradicional, feita à mão, artesanalmente, sem os recursos gráficos que a moderna computação oferece aos diretores. Esse visual magnífico está na base do Oscar de efeitos que o filme também recebeu da Academia e ainda houve outros dois, um para a montagem e outro para o score de Richard e Robert Sherman, incluindo a canção sempre associada ao filme – "Chim-Chim Cheree".

Imagem e som de "Mary Poppins" foram remasterizados e o DVD é rico em extras comemorativos desses 40 gloriosos anos. Mas é o próprio filme que, em última instância, se apresenta hoje interessante, até por ser evocativo de toda uma era. Em 1964, o mundo estava mudando e o cinema, também. A minissaia e a pílula estimularam o amor livre e a erupção das cinematografias nacionais, como o Cinema Novo, tornavam enerventes as cantorias adocicadas da Disney. Hoje, pode-se ver o filme com mais distância e é um belo trabalho. É bom, inclusive, (re)ver atores hoje esquecidos como Dick Van Dyke, Glynnis Johns e a notável Jane Darwell, em seu último papel, como a dama dos pássaros (que Chris Columbus homenageou, por meio de Brenda Fricker, em "Esqueceram de Mim 2"). Julie, logo em seguida, estrelaria "A Noviça Rebelde" e o musical de Robert Wise consagrou-a como a top star de Hollywood, mas isso é história e você já sabe.

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