Há exatos 35 anos, no dia 7 de julho de 1969, foi ao ar, na Globo, a primeira novela com uma protagonista negra. Na novela A Cabana do Pai Tomás, que estreava no horário das 19 horas, Ruth de Souza fazia Tia Cloé, mulher do escravo Pai Tomás, vivido pelo ator branco Sérgio Cardoso. A atriz era amiga de Sérgio e foi ele quem indicou o nome dela para a direção da novela. “Fui contratada de imediato e protagonizei a história, o que, infelizmente, é incomum na carreira de atores negros”, relembra Ruth. Devido a seu papel de destaque, a atriz chegou a ter problemas com pessoas do elenco. “Algumas atrizes brancas não queriam que o nome delas ficasse atrás do meu nos créditos. Não guardo mágoa, mas acho qualquer tipo de preconceito uma estupidez”, revela Ruth.
Nos anos 50s e 60s, as novelas praticamente não retratavam a realidade brasileira. A Cabana do Pai Tomás, por exemplo, foi mais produção baseada em textos estrangeiros. Hedy Maia adaptou o clássico romance de Harriet Beecher Stowe, de 1852, e a novela abordava a luta dos escravos contra os ricos proprietários de terra, no Sul dos Estados Unidos, na época da Guerra de Secessão.
A Cabana do Pai Tomás enfrentou percalços e chegou a ter quatro diretores, cinco roteiristas e troca de autor. Na semana seguinte a estréia, os estúdios da Globo em São Paulo pegaram fogo e as gravações foram transferidas para o Rio de Janeiro. “Os atores e a equipe foram colocados em ônibus para o Rio no mesmo dia do incêndio, pois precisávamos gravar o capítulo do dia seguinte”, conta Ruth de Souza. Fábio Sabag dirigiu os oito primeiros capítulos, mas teve que ser substituído por Daniel Filho devido a uma séria estafa. Posteriormente, Walter Campos e Régis Cardoso entraram na direção da novela. “Na semana em que eu comecei a dirigir, quem estava escrevendo era o próprio Sérgio Cardoso. Depois, o Walter Negrão assumiu e deu mais ação à novela e colocou mais ‘externas'”, rememora Régis Cardoso.
Negro branco
O renomado ator Sérgio Cardoso interpretou, além do Pai Tomás, mais dois personagens: o presidente Abraham Lincoln e Mr. Legris. Na época não havia recursos técnicos para gravar os três personagens contracenando. “Tivemos que dividir a lente da câmera em três partes. Capturávamos a imagem de um personagem de cada vez e depois montávamos a cena com os três juntos”, explica Régis Cardoso. O fato de Sérgio Cardoso ter protagonizado o escravo Pai Tomás suscitou, na época, alguns protestos e discussões. Muitas pessoas não concordavam com um branco fazendo o papel de um negro. Para Fábio Sabag, o primeiro diretor da novela, a escolha não teve o objetivo de tirar a oportunidade dos atores negros e nem de diminuí-los. “A idéia era fazer uma homenagem aos negros, mas muitos não entenderam como tal. Não houve nenhum sentido de preconceito”, esclarece o diretor. Para interpretar o Pai Tomás, Sérgio se maquiava de preto e usava peruca. “As pessoas diziam que o Sérgio colocava algodão e rolhas no nariz, mas isso é mentira. Ele apenas se pintava”, explica Ruth de Souza.
Polêmica
Até hoje diz-se que a escolha de Sérgio Cardoso para o papel principal da novela foi um pedido de um dos patrocinadores da novela. “Não havia atores negros famosos o suficiente para protagonizar uma novela. As marcas patrocinadoras exigiam pessoas com visibilidade”, revela a atriz Ruth de Souza. Mas há quem não confirme essa versão. Segundo Fábio Sabag, Sérgio era um excelente ator de caracterizações e esse era apenas mais um papel que ele fazia. “Ele já havia interpretado, por exemplo, um judeu e um português. Que eu saiba, não houve nenhuma influência de patrocinador”, afirma o diretor.