Há 25 anos, estreava na Globo o programa TV Mulher. Não foi o primeiro voltado para o público feminino. No início dos anos 50, o Revista Feminina, da extinta Tupi, já fazia sucesso junto às donas-de-casa. Nenhum outro, porém, chamou tanto a atenção quanto o TV Mulher. Mais do que ensinar as telespectadoras a cozinhar ou a fazer crochê, tirava proveito da abertura política para mudar o enfoque dado habitualmente aos problemas da mulher. Temas até então pouco ou nunca explorados, como comportamento sexual e emancipação feminina, ganharam espaço na tevê brasileira.
O comando do programa coube à jornalista Marília Gabriela que, insatisfeita com a sua modesta participação no Hoje, pleiteou uma oportunidade no TV Mulher. ?Até hoje, tem gente que lembra de mim do programa. O próprio Giane, pequenininho, já me via no TV Mulher…?, lembra Gabi, às risadas, se referindo ao marido, o ator Reynaldo Gianecchini, de 32 anos.
Mas Marília não estava sozinha à frente do TV Mulher. Durante as três horas diárias de programa, se revezava com diferentes apresentadores, como o psicanalista Eduardo Mascarenhas e o estilista Clodovil Hernandes. Dividido em quadros curtos de cinco a dez minutos, o programa tratava dos mais variados assuntos: de moda e culinária a educação sexual e direitos trabalhistas. Cada quadro tinha a própria vinheta e apresentador. Um dos mais famosos foi Ney Gonçalves Dias, hoje no Repórter Cidadão, da Rede TV!. No quadro Serviço de Proteção do Telespectador, a jornalista Marília Gabriela lia as principais manchetes de jornal do dia e ele esclarecia dúvidas sobre política, cultura e economia. ?Tínhamos liberdade para fazer o que bem entendêssemos. Mas tomávamos cuidado com o que dizíamos. Vivíamos os últimos anos da ditadura militar?, ressalva Ney.
Boa direção
Na realidaade, o grande responsável pelo sucesso do TV Mulher foi o diretor Nilton Travesso. Partiu dele a idéia de criar o programa, de convidar Marília Gabriela para ancorá-lo e até de sugerir a Rita Lee a composição de um tema de abertura para o programa. ?Quando propus o tema, a Rita estava embarcando para Nova York. No dia seguinte, porém, ela me ligou de lá para mostrar a música pronta?, espanta-se Travesso. Para Ney Gonçalves Dias, Nilton tinha também outra grande virtude: a de saber conciliar ânimos exaltados. ?A convivência não era das mais fáceis, mas nunca tive problema em administrar egos. Todo mundo ali cresceu muito. São Paulo teve uma prefeita que começou no TV Mulher?, brinca Travesso, referindo-se à sexóloga Marta Suplicy, que abordava questões como menstruação e orgasmo.
Quem também integrou o quadro de apresentadores do TV Mulher foi Henrique de Souza Filho, o Henfil. E, mais uma vez, por sugestão de Nilton Travesso. O diretor ficou impressionado com a incorreção política do cartunista em entrevista a Marília Gabriela. Mais que depressa, Travesso o convidou para ter um quadro diário. Convite aceito, Henfil criou o sugestivo TV Homem. Nele, transformou contra-regras em coadjuvantes de esquetes de humor, levou o líder do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, à Globo sem consulta prévia e convidou a própria mãe, dona Maria, a participar do quadro. Henfil aprontava barbaridades. Eram oito minutos de pura astúcia e anarquia. Não por acaso, a crítica saudou o quadro como um agradável corpo estranho na Globo, recorda o jornalista Dênis de Moraes, autor do livro O Rebelde do Traço.
Cópias
Em menos de um ano, a audiência do TV Mulher pulou de cinco para 19 pontos. Logo, o programa começou a fazer sucesso não apenas no Brasil. Até hoje, Marília Gabriela lembra do dia em que ela e Marta Suplicy foram capa do The New York Times, com a manchete ?No Brasil, as manhãs pertencem à tevê feminista?. ?Isso, é bom que se diga, em dia de reeleição de Ronald Reagan?, enfatiza Gabi. Com o passar do tempo, o TV Mulher, que durou até 1986, inspirou um sem-número de programas do gênero. Atualmente, há, pelo menos, um em cada emissora de tevê. ?O TV Mulher inaugurou uma programação matinal que conciliava arte, conteúdo e prestação de serviços. Hoje, os programas só querem fazer fofoca e copiar uns aos outros?, critica Ney Gonçalves Dias, que, até pouco tempo, apresentava o Bom Dia, Mulher, na Rede TV!.