A autora Janete Clair não gostou muito quando, em 1983, o superintendente de operações da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, a convidou para escrever uma novela para as 22h. Afinal, desde Sinal de Alerta, escrita por Dias Gomes em 1978, a emissora aparentemente havia desistido de emplacar uma produção do gênero no horário. Além disso, todas as outras novelas de Janete foram exibidas às 20h. Mesmo relutante, ela aceitou a incumbência de desenvolver a sinopse de Eu Prometo, que completa 20 anos no próximo dia 19. Antes, porém, fez um pedido emocionado ao então “todo-poderoso” da Globo: “Deixa eu escrever a próxima das 20h. Vai ser a última novela da minha vida”, insistiu ela, que já sofria de câncer no intestino há três anos.
Batizada originalmente de O Homem Perfeito, Eu Prometo conta a trajetória de Lucas Cantomaia, um candidato a senador interpretado por Francisco Cuoco, que tem sua campanha política ameaçada por um caso extraconjugal com uma jovem fotógrafa, vivida por Renée de Vielmond. Ao mesmo tempo em que põe em risco seu casamento com Darlene, personagem de Dina Sfat, ele ainda enfrenta a oposição de um feroz adversário político, o ambicioso Horácio Ragner, de Walmor Chagas. No meio de tantos veteranos, Eu Prometo marcou a estréia na tevê da promissora Malu Mader como Dóris, uma das filhas de Lucas Cantomaia.
Para escrever aquela que se tornou a sua última novela, Janete Clair convidou os seus atores prediletos: Francisco Cuoco e Dina Sfat. Juntos, os dois atuaram em 10 das 20 novelas escritas por ela. Alguns dos personagens mais marcantes da carreira de Francisco Cuoco, como Cristiano Vilhena, de Selva de Pedra, e Herculano Quintanilha, de O Astro, foram criados pela autora. A última de que participou foi o “remake” de Pecado Capital, novela de Janete modernizada por Glória Perez, quando foi convidado a interpretar Salviano Lisboa, imortalizado por Lima Duarte na versão original. “As novelas da Janete faziam sucesso porque ela escrevia sobre aquilo que conhecia bem: o dia-a-dia da classe média”, acredita o ator, que elege Selva de Pedra como a sua favorita entre as muitas da autora.
Passando o bastão
“A Maga da oito”, como ficou conhecida, não passou do capítulo 60 de Eu Prometo. O restante da trama foi desenvolvido pela então novata Glória Perez, sob orientação de Dias Gomes, viúvo da autora. Glória estava em um restaurante no Rio quando soube pela nora de Janete que a autora estava à procura de um colaborador. Mais que depressa, Glória correu para casa e mandou para Janete um roteiro que havia escrito, por conta própria, para o seriado Malu Mulher. Pouco depois, ela recebia uma ligação da autora, elogiando o trabalho e propondo um desafio: “Janete pediu que eu fosse até a casa dela para me conhecer pessoalmente. Se ela não gostasse de mim, eu seria capaz de me jogar debaixo de um trem”, diverte-se.
Mas Janete gostou. Tanto que as duas passaram a se reunir, com certa freqüência, na Casa de Saúde São José, na Zona Sul do Rio, onde Janete se internara para se livrar de uma obstrução no intestino. Da cama do hospital, Janete ditava para Glória os rumos da história. “Olha, Glória, não sei se vou chegar ao fim dessa novela. Mas eu quero muito que ela chegue ao fim”, recorda Glória. Trinta e sete dias depois de ser internada, Janete teve um derrame cerebral e entrou em coma. No dia 17 de novembro de 1983, morreu, aos 58 anos. Janete Clair foi velada no saguão do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Quando seu corpo foi transferido para o Cemitério São João Batista, a multidão que lotava a Cinelândia, como bem lembra o jornalista Artur Xexéo, autor da biografia Janete Clair – A Usineira de Sonhos, explodiu em palmas. “Pela primeira vez, uma escritora estava tendo um enterro que o país se acostumou a ver apenas com os galãs da tevê. Ela tinha tantos fãs quanto os atores que suas novelas ajudaram a consagrar”, enfatiza Xexéo.