Mazzucca: perfeccionismo e mágoa da Jovem Guarda. |
São Paulo – Morreu ontem em São Paulo, aos 82 anos, o maestro, arranjador, pianista e vibrafonista Sylvio Mazzucca, conhecido por seu incansável trabalho à frente de sua orquestra, que embalou grandes bailes de cinco gerações, desde a década de 50. Ele estava internado havia alguns dias no Hospital Albert Einstein e foi vítima de uma síndrome séptica. Seu enterro está marcado para as 9h, no cemitério do Araçá, na capital paulista.
Mazzucca nasceu no Bexiga, em São Paulo, em 1919. Começou a estudar piano aos 6 anos. Ainda criança, substituía o pai como pianista titular dos cultos da Igreja Nossa Senhora Achiropita. Com 12 anos, conseguia seu primeiro emprego, na prestigiada orquestra da Sociedade Recreativa Esportiva Gabriele D?Annunzio. Nisso, foi ajudado pelo irmão, presidente do clube, que se casou com a pianista deixando aberta sua vaga. “Ele ameaçou todos os músicos, caso eles não me aceitassem”, lembrou certa vez em uma entrevista.
Pouco após completar 19 anos, Mazzucca era convidado para tocar no rádio. Começou na Educadora Paulista (PRA-6), onde apresentava-se “sem receber um tostão, apenas para fazer nome”. Em 1938, ingressava na Rádio Tupy – agora recebendo 560 mil réis -, como pianista da orquestra Juca e Seus Rapazes.
Só que Juca, pouco depois, deixaria a emissora e seu substituto, Jota França, também não duraria muito no cargo. Assim, aos 23 anos, Mazzucca regia sua primeira orquestra, com uma formação que era o padrão da época: piano, baixo, bateria, três saxofones, dois pistons e trombone.
Acompanhou a evolução do rádio no País até que, em 1945, foi convidado para criar sua primeira orquestra em uma boate que seria inaugurada no Largo Santa Cecília, a célebre Clipper. Dois anos mais tarde, em 47, aceitou um convite para ser diretor artístico da Rádio Bandeirantes, com programas musicais ao vivo. Lá ficou até 62, seguindo então, já com sua própria orquestra, para a TV Excelsior.
Pior momento Em 1969, com o fechamento da emissora, ficou desempregado. E passou pelo que garantia ser o pior momento de sua carreira, à medida que a febre da Jovem Guarda ganhava cada vez mais força. “Quando eles surgiram, fomos obrigados a parar por uns anos, porque todo mundo só queria ouvi-los”, disse certa vez. “Fiquei falando sozinho, a orquestra ao vivo estava meio fora de moda. Surgiram as fitas, os pequenos conjuntos, a música barulhenta”, lembrava Mazzucca que, para se virar, comprou um órgão e tocava em casamentos, batizados e também no restaurante do Terraço Itália. Recriou sua orquestra em 1972, ajudando a manter viva uma tradição musical da qual foi grande símbolo.No início dos anos 80, foi convidado para trabalhar no programa Festa Baile, no antigo Canal 2. “A orquestra do Mazzucca é a melhor do País”, garantiu em diversas ocasiões o tenor Agnaldo Rayol, que comandou até 1990 o programa, ao lado do maestro.
Maestro conviveu com lendas
O maestro Mazzucca conseguiu sobreviver a diversas etapa da história do País. Ao lado dos períodos de crise, viveu momentos em que, entre dezembro e março, fazia cerca de 80 festas de formaturas, em todo o País, ao lado de sua orquestra. E, ao longo dos anos, sua trajetória misturou-se com a de alguns dos principais artistas brasileiros, da época e de todos os tempos.
Em estúdios de rádio e em gravações, acompanhou Sílvio Caldas, Francisco Alves, Nélson Gonçalves, Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Herivelto Martins e Ângela Maria. Aproximou-se de lendas do jazz, como o trompetista Dizzy Gillespie. Foi o responsável pelo início da carreira de Hebe Camargo, sua primeira cantora. “Como era menor de idade, ela ia aos shows acompanhada da mãe”. Lançou mais de 20 LPs – não sabia dizer exatamente quantos gravou, mas acreditava que “a boa música, a boa orquestra, ainda pode vender discos, porque o público gosta do que é bem-feito”. Um de seus álbuns, Festa de Aniversário, foi sucesso de vendas também na Argentina.
Era admirado por quem tocava com ele e sempre teve como marca o respeito ao trabalho dos músicos, a quem tratava de modo profissional. Nos anos 60, quando saiu em excursão pelo Norte do País, levou um calote do empresário e pagou do próprio bolso o cachê de seus instrumentistas. E, desde então, nunca mais trabalhou com empresários ou agentes, ocupando-se de marcar e acertar sozinhos seus trabalhos.
Também atuou como compositor. Sempre abria os shows com uma balada romântica sua, You, Only You. “Um músico tem sempre que saber o que quer. É por isso que alguns conseguem ser identificados em qualquer lugar. Graças a Deus eu consegui ser identificado pelo meu estilo. Pode ser ruim, mas é meu”, dizia.