Orkestra Rumpilezz é eleito melhor grupo de música instrumental

A Orkestra Rumpilezz, big band criada pelo maestro Letieres Leite, venceu ontem à noite o prêmio de melhor grupo da música instrumental e revelação do ano no 21º Prêmio da Música Brasileira, ao unir os ritmos do candomblé ao jazz. O nome da big banda, formada por 20 músicos, surgiu, aliás, da fusão dos três atabaques do candomblé (Rum, Rumpi e Le) ao jazz. A orquestra baiana concorreu com o João Donato Trio e Rabo de Lagartixa na disputa pelo prêmio de melhor grupo. E, na categoria revelação, com Alexandre Gismonti Trio e Maria Gadú.

Sua vitória representa a síntese do sagrado e do profano, na interseção da cultura de massa e a cultura popular. No encarte do disco “Letieres Leite e Orkestra Rumpiless”, o também saxofonista e flautista Letieres explica a forte relação de suas composições com a música sacra do candomblé, cujo ritmo, apesar de preservado nos rituais, ganhou as ruas e se alteraram ao influenciar vários estilos musicais. “Tanto as composições quanto os arranjos são baseados nas claves e desenhos rítmicos do Universo Percussivo Baiano, em que as variações melódicas procuram ser fiéis às células rítmicas. Neste contexto, os instrumentos de sopro também desempenham um papel percussivo.”

Esse papel fica mais perceptível quando o tema da música é executado, muito mais marcado em uma faixa, menos em outra. Muitas vezes, o maestro compõe cada música buscando inspiração para o ritmo em uma divindade e em outra para o tema. O disco começa com “A Grande Mãe” – seria uma homenagem à Iemanjá? – com base no toque vassi, usado para chamar divindades de acordo com batida do atabaque Rum. Já em “Floresta Azul”, o ritmo é cadenciado para Oxossi, mas o tema foi inspirado numa cantiga de Odé. Na música “rumpelizzada” de Ed Motta “Balendoah”, também está lá o vassi, mas tocada para Ogum.

Mas, assim como no jazz americano, que inclusive veio ao Brasil diversas vezes beber na musicalidade de João Gilberto, Tom Jobim e Milton Nascimento, durante os solos, a relação entre o ritmo, sons e silêncio, intensidades e alturas, a melodia alcança um voo superior à base ao qual ela se apoia. Se a célula rítmica dita, ao longo do tema, as variações harmônicas – e a percussão está fortemente ligada ao culto das divindades e seus respectivos poderes de conexão com o sagrado – o solo é o próprio êxtase, o transe completo, cuja base é regional, tradicional e religiosa, mas que se ‘desterritorializa’, numa síntese que cria um terceiro elemento.

É muito audível esse processo em “Anunciação”, música em homenagem ao baterista e percussionista Antonio Ferreira da Anunciação, pioneiro em unir o jazz à música baiana. Nos solos, o sax alto André Becker toca jazz, mas numa malandragem enraizada num ritmo “exótico”, só para lembrar o adjetivo usado em “Native Dancer”, disco que fez os saxofones tenor e soprano de Wayne Shorter se esbaldar na voz de Milton Nascimento e no piano de Herbie Hancock no fim da década de 70. Em alguns momentos, é o funk em “Beauty and the Beast” ou jazz em “Ana Maria”, mas ambos em uma cozinha brazuca, mineira. E o trompetista Joatan Nascimento, também no solo da mesma música, teria conseguido fazer Miles Davis ir além do ‘fusion’, convencendo-o a morar em Salvador. A lista completa dos premiados pode ser conferida no site www.premiodemusica.com.br/blog.

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