No dia 21 de outubro de 1962, um espetáculo reuniu a nata das artes cênicas brasileiras no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Camargo Guarnieri assinava a música e Gianfrancesco Guarnieri, o texto; o pai do dramaturgo, o maestro Eduardo de Guarnieri, comandava a Sinfônica Brasileira; na direção, Ziembinski, que contou com coreografias de Tatiana Leskova. Nascia, assim, a ópera Um Homem Só. Nos dias seguintes, a imprensa chamaria atenção para a definição de um “novo conceito de ópera brasileira, na qual as dimensões teatrais lhe conferem legitimidade”. A obra, no entanto, seria logo esquecida. Mas volta nesta quarta-feira, 22, mais de cinco décadas depois, aos palcos, em uma nova produção do Teatro Municipal de São Paulo.

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Um Homem Só, que dura cerca de uma hora, fará dobradinha com outra ópera curta, Ainadamar, do argentino Osvaldo Golijov, estreada em 2003. A primeira é um drama urbano e psicológico, que gira em torno de um homem às voltas com suas angústias, lembranças e neuroses.

Ainadamar, por sua vez, tem como personagem central o poeta Federico Garcia Lorca, abordando temas como suas críticas ao fascismo, a perseguição sofrida por conta de seu homossexualismo e o seu assassinato.

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A direção cênica é de Caetano Vilela, para quem o primeiro desafio foi estabelecer relações possíveis entre histórias tão distintas. “Minha resposta a essa questão foi criar uma linguagem estética em que as duas óperas dialoguem entre si, já que musicalmente são tão diferentes e poderia soar forçado querer encontrar alguma relação entre seus personagens, por exemplo. Quando comecei a estudar as duas óperas, a única certeza que eu tinha é que não as ambientaria em um espaço realista, já que os libretos me apontavam para um caminho que gosto muito de trabalhar em espetáculos operísticos: a teatralidade.

Ainadamar é metateatral do princípio ao fim, toda a sua ação para descrever a morte de Garcia Lorca é contada por uma atriz mais velha para a sua discípula e se passa em palcos de teatro. Em Um Homem Só, os questionamentos do protagonista estão mais para a metafísica do que para os conflitos cotidianos de um homem comum”, explica o diretor.

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Para o maestro argentino Rodolfo Fischer, que assina a direção musical e a regência dos dois espetáculos, Um Homem Só trabalha a partir de contrastes. “Há uma pretensa leveza, que se pode associar à música brasileira, mas ela se depara a todo instante com a escuridão do protagonista, com o tratamento de grandes questões existenciais”, diz ele. “Já em Ainadamar, o que vemos é uma recriação onírica da Espanha, uma música que nos leva da terra ao infinito para investigar qual o grande legado da poesia e da personalidade de Lorca.” Nesse sentido, ele acredita que o desafio “é trabalhar com estéticas tão diferentes”.

“Guarnieri escreve música mais tradicional, cria cores vivas, mas estanques, o que torna mais difícil manter a atenção. Já a partitura de Golijov tem algo de muito enérgico e poderoso, sensorial mesmo.”

Em Um Homem Só, o personagem principal é vivido pelo barítono Rodrigo Esteves e o elenco conta ainda com a participação de Saulo Javan, Luciana Bueno, Rubens Medina e Miguel Geraldi. Em Ainadamar, a soprano Marisú Pavón, que participou da primeira gravação da obra, vive Margarita Xirgu e Luigi Schifano, Garcia Lorca; Camila Titinger, Alfredo Tejada, Carla Cottini, Rodrigo Esteves, Monique Corado, Rubens Medina, Miguel Geraldi e Jarbas Homem de Mello completam o elenco. “Trabalhar em óperas como essas, recentes, é muito interessante, em especial no que diz respeito aos cantores: não existem preconceitos ou códigos estabelecidos, difíceis de mudar. A interpretação, assim, nasce nova, em conjunto”, diz Fischer.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.