‘Olho Nu’ é cinepoema para Ney Matogrosso

Olho Nu é um filme “com” Ney Matogrosso e não “sobre” Ney Matogrosso, diz seu diretor, Joel Pizzini. Isso que dizer várias coisas.

A primeira delas é que não se convocam especialistas para “explicar” a obra do cantor, dançarino, performer, porta-voz da contracultura, etc. Ney se explica por si mesmo e, desse modo, o filme é composto por vasto material de arquivo de suas apresentações somado a entrevistas realizadas pelo diretor.

Segundo: por ser Ney uma figura de fato nacional, todos a conhecem. Ney é patrimônio brasileiro. Cantou muito, fez muitos shows, gravou discos, apareceu demais na televisão. Não carece de apresentações, o que acontece com personagens mais ou menos anônimos.

Terceiro: é de Ney o involuntário conselho de montagem do rico material à disposição de Joel Pizzini. Curioso para saber o segredo da invejável forma física do cantor, aos 72 anos, ouviu de Ney a seguinte receita, que serviria de manual de ajuda aos gordinhos: “Sempre saio da mesa sentindo um pouco de fome”.

Pizzini monta seu filme de maneira enxuta, de modo que o espectador deixa o cinema ainda faminto, querendo saber mais de Ney Matogrosso. Quer dizer, o filme funciona mais como estímulo à curiosidade que como obra completa, aquelas do tipo “cinebiografia definitiva de fulano”.

Mesmo assim, sem ter a pretensão de esgotar o assunto, é muito o que se aprende ao se ver Olho Nu. E muito o que se curte nesse cinepoema dedicado ao artista.

Vemos Ney aparecendo num contexto específico, os anos 1970, da ditadura militar, época de repressão e caretice, subvertida pela performance debochada do artista no palco. No grupo Secos e Molhados, e depois em carreira solo, Ney foi um dos profetas da liberação do corpo (e da mente) naquele Brasil provinciano, governado por um poder discricionário e absoluto. E era nesse campo que jogava Ney fazendo de sua voz – e de seu corpo – campos de batalha em que o autoritarismo era combatido.

Havia ali uma secreta ironia, que o filme desvenda: o ícone da contracultura Ney Matogrosso era, ele próprio, filho de pai militar. Que, claro, sentia-se desconfortável ao ver o filho rebolando no palco vestido (e às vezes despido) com roupas, digamos, pouco convencionais. Em depoimento, o pai confessa seu incômodo, mas, com o sucesso do filho, passou a aceitá-lo. “E até aderi”, diz, de modo engraçado. Há um detalhe a mais nessa história: antípoda da rigidez de caserna, Ney admite que sua educação muito estrita foi fundamental para que desenvolvesse o senso da disciplina. Esse traço, ele mesmo diz, o ajudou demais na carreira.

O senso de rigor é fundamental, mesmo na expressão artística em aparência mais anárquica ou sensível. Basta ouvi-lo, por exemplo, cantar Melodia Sentimental, de Villa-Lobos. É de arrepiar. Mas se pode adivinhar o que existe de trabalho por trás da performance.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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