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Octavia Spencer visita o Brasil, reflete sobre

Ferris Bueller? Octavia Spencer acha graça e ri. Desde que chegou ao Brasil, ela não fez outra coisa senão dar entrevistas. Na segunda e terça, eram grupos de jornalistas, algumas individuais. Nesta quarta é seu dia de folga, daí a observação do repórter. Ferris Bueller’s Day Off, a comédia de John Hughes que, aqui, virou Curtindo a Vida Adoidado. Octavia terá seu dia de Ferris Bueller – folga para curtir a vida adoidado no Rio, antes de regressar aos EUA.

A vista na suíte do 10º andar no novo Hotel Emiliano, no centro de Copacabana, é espetacular. A praia, o mar. É a prova de que Deus existe. Na coletiva de A Cabana, na segunda à tarde, Octavia já se referira à locação no Canadá como prova da generosidade de Deus para os homens. A generosidade dela? Pois Octavia interpreta Deus no filme que Stuart Hazeldine adaptou do best-seller de William P. Young. Octavia havia feito uma observação engraçada – como boa cristã, ela gosta de começar seu dia conversando com Deus, pela manhã, pedindo-lhe para abençoar a jornada que está começando. Durante a feitura de A Cabana, ela sentia aquilo como uma coisa esquizofrênica, como se Papa, ou Papai, seu personagem, conversasse consigo mesmo.

A Cabana estreia na quinta-feira da próxima semana, 6 de abril. Vai ser um lançamento grande da Paris Filmes – 600 salas, no mínimo. O livro vendeu como água, a distribuidora espera faturar bastante. O filme é uma espécie de Nosso Lar de luxo, made in Hollywood. Conta a história de Mack/Sam Worthington, esse bom homem cuja filha é sequestrada (e morta) por um serial killer. Mack faz seu luto sem ter um corpo para enterrar. Desespera-se, e a família corre o risco de se desintegrar. E é nesse momento que Mack vive sua experiência visceral na cabana do título. Nesse recanto paradisíaco, verdadeiro Jardim do Éden, vivem Papa, seu filho Jesus e Sumire. A Santíssima Trindade, representada por uma mulher negra de seios fartos, um israelense de ascendência tunisiana e uma japonesa.

Na coletiva, Octavia disse que, embora não contracene com a atriz brasileira Alice Braga, sua cena favorita no filme é com ela. Alice faz a Sabedoria. Encontra-se com Mack, que julga o mundo ao redor. É fácil condenar os outros. O julgamento volta-se contra ele. “Acho a cena muito bonita. Ela resume um dos muitos significados do filme. Sua mensagem de amor. Julgar e condenar os outros é próprio de quem se sente superior e não reconhece as próprias limitações.” A cena pode ser aquela, mas Octavia gosta muito da representação da Santíssima Trindade. Mais tarde, quando adquire uma forma masculina, Deus é interpretado por Graham Greene, um ator nativo americano (índio), que adquiriu notoriedade em Dança com Lobos, de Kevin Costner.

Uma negra, um índio, um cara do Oriente Médio (Aviv Alush), uma japonesa (Sumire). “É uma forma de dizer que Deus é todo mundo, está em toda parte. Um dos problemas do mundo atual é essa espécie de xiismo que coloca uma representação de Deus acima de todas as demais. Todos esses outsiders compõem um Deus mais tolerante, com certeza.” Quando Mack entra na cabana, Deus/Octavia está ouvindo música no IPhone, e fazendo pão. A trilha é… Neil Young. “Um grande cara”, diz Octavia, mas não é dele a música de sua vida. Octavia confessa que até já cantou – num espetáculo de TV -, Gladys Knight. Midnight Train to Georgia. “For love gonna board…” É uma letra que fala muito com ela. É interessante que Hollywood busque os afro-americanos para que sejam Deus na tela. Morgan Freeman em O todo-poderoso.

“Claro que vi, adoro Morgan, mas o Deus dele era um personagem de comédia. Não tinha todos esses textos filosóficos que eu fico recitando em cena”, ela diz. Morgan Freeman – ele está em dois filmes que Octavia cita imediatamente como seus preferidos. Conduzindo Miss Daisy, Um Sonho de Liberdade/The Shawshank Redemption. E A Cor Púrpura. Steven Spielberg é alguém por quem ela tem verdadeira veneração. “Admiro-o desde os meus 13 anos.” Octavia Spencer, fã? “O dia que deixar de ser acho que estarei desistindo de mim.” Confessa que já escreveu cartas para muitas celebridades.

“Michael Jackson – era pobre, foi assim que recebi de presente o pôster que durante muito tempo esteve na parede do meu quarto.” Como atriz, ela fez muita TV. Interpretou incontáveis médicas e enfermeiras. “São pessoas a quem admiro na vida. Professores, também. São atividades muitas vezes anônimas, que a gente tende a não valorizar, mas o mundo precisa muito dessas pessoas.”

Seu primeiro filme data de 1996 – Tempo de Matar, uma adaptação de John Grisham por Joel Schumacher. Ela estava começando, ia trabalhar como assistente de elenco, mas pediu e o diretor lhe deu um papel. Fez muita comédia – “Na verdade, não fiz tanta assim, mas é a minha especialidade. Colocar um pouco de humor no drama. Por isso as pessoas me associam à comédia.” Foi assim em The Help/Histórias Cruzadas, que lhe valeu todos os prêmios de coadjuvante do ano de 2011. Globo de Ouro, Bafta, Oscar. Por Estrelas Além do Tempo, voltou a concorrer ao Oscar de coadjuvante deste ano. A importância do Oscar? Tem muito a ver com o glamour. Garota, pobre, ela via o Oscar como uma coisa de sonho, impossível. Mal podia imaginar que um dia faria parte daquela história.

Como escolhe seus papéis? “O de Estrelas Além do Tempo porque não conhecia a história daquelas mulheres (Hidden Figures, o título original). Mulheres negras que deram, anonimamente, uma contribuição extraordinária para a história da América. Gosto desse tipo de personagem pequeno, mas que se torna grande. Gosto do filme de mensagem. Mais que sobre fé, A Cabana é sobre o amor que cura. Criei o meu Deus como uma mãe que foi cruel com seu filho, que o fez passar por uma provação e agora quer que seu filho seja feliz de novo.” O Oscar deste ano foi marcado por protestos, inclusive contra a supremacia branca – ‘Oscar so white’. O que ela diria ao presidente Donald Trump? “O que digo a qualquer pessoa. Mais amor, menos discriminação.” Interpretar Deus mudou alguma coisa para ela? “Vivo segundo o que, para mim, é uma regra de ouro. Trato os outros como espero ser tratada. Com afeto, respeito. O mundo seria melhor, se todos agissem assim.”

Ela busca sempre a beleza das coisas simples, naturais. Mas a beleza pode distrair a gente do estado das coisas. O Rio visto da janela do hotel tem um monte de problemas. Octavia é otimista? Pessimista? “Nem uma coisa nem outra. Tento ser pragmática.” Guerras existem desde o começo dos tempos. Irmãos se matam desde Caim e Abel. O que não podemos é desistir de ser melhores – no que somos, no que fazemos.” Ela agradece a Deus por essa profissão que lhe permite conhecer pessoas, viver personagens incríveis e ainda pagar as contas. O repórter arrisca uma receita de vida – seguir em frente, fazer o pão. “Um pão filosófico, alimento para o corpo e para o espírito”, ela arremata. Palavra de Octavia Spencer, essa mulher maravilhosa que… É Deus no cinema.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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