Os quatro discos da coleção contêm 38 curtas de ficção, documentários e especiais de televisão. Além disso, as primeiras mil unidades vendidas incluem os episódios "Anchietanos" e "Meia Encarnada Dura de Sangue", das séries da Globo "Comédias da Vida Privada" e "Brava Gente". Coisa boa demais para comentar em tão pouco espaço, mas, enfim, tentemos.
Primeiro, uma observação de ordem geral. O pessoal da Casa de Cinema, que trabalha junto e convive há tantos anos, tem uma proposta de audiovisual. Gaúchos, fazem um cinema que não cai no estereótipo da cuia de chimarrão e da bombacha. São profundamente antenados no Brasil moderno, urbano, nervoso. Segundo, em todos esses filmes, ou pelo menos nos principais, você irá encontrar também uma preocupação com a pesquisa de linguagem. É ágil, moderna, original. Não raro dialoga com as outras interfaces do universo audiovisual, a TV em especial. A Casa produz para TV, portanto não tem preconceitos com o veículo. Terceiro, a temática. É bastante variada, mas você vai perceber um foco muito intenso no social.
Entre esses curtas, há aquele de menção obrigatória, pois é considerado uma obra-prima – "Ilha das Flores". Filme premiado, que acompanha a "trajetória" de um tomate estragado para desvendar o mecanismo capitalista da circulação de mercadorias… e de seres humanos. Seminal, gerou filhotes e foi muito imitado. Criou uma estrutura narrativa por associação, que encontrou ressonâncias inesperadas, como no longa francês "Amélie Poulin".
Há em seguida "O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda", história do homem encarcerado, que sofre um calor infernal e tudo o que deseja é tomar um banho. Barbosa recupera, por meio de uma trama que dialoga com a ficção científica, o drama do goleiro do Brasil no jogo fatídico em que perdemos a Copa para o Uruguai, em 1950. É baseado num conto de Paulo Perdigão, texto de ficção anexo ao livro "Anatomia de Uma Derrota".
Em "Deus Ex-Machina" você vai conferir a originalidade narrativa e o trabalho com os tempos ficcionais, que também é uma das características dos filmes da Casa. E, em "Sexo e Beethoven", outro traço distintivo: a irreverência, com diálogos desbocados, chulos mesmo. E muito engraçados.
Como contraponto, a delicadeza de "Dona Cristina Perdeu a Memória", um dos raros filmes brasileiros a se preocuparem com a terceira idade. Como se sabe, velho, no Brasil, é para ficar em casa quietinho. Não é assunto de cinema, ou quase isso. Muito menos se acredita que gerações diferentes possam conversar. Pois bem, neste caso, o que se dá é o diálogo entre um garoto de 8 anos e uma mulher de 80.
A preocupação humanística é outro fator que dá unidade à diversidade de produção da Casa de Cinema.
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