Manfredo de Souzanetto é prontamente identificado como um dos artistas mais independentes desde sua primeira individual realizada em Belo Horizonte, em 1974. Então estudante de arquitetura, ganhou uma bolsa para estudar em Paris, onde descobriu a arte dos construtivistas russos e dos pintores abstratos norte-americanos. Esse primeiro olhar deu um norte para a produção artística do pintor, escultor, desenhista e gravador mineiro, nascido há 68 anos em Jacinto, numa fazenda do vale do Jequitinhonha. Muita coisa mudou nesses 40 anos de carreira, mas não sua filiação à vertente construtiva – e seu amor por Minas, claro. Veio o reconhecimento internacional com exposições na Alemanha, EUA, França e, mais recentemente, na Suíça, despertando nos críticos a vontade de comparar Manfredo aos históricos concretos.

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Aliás, um crítico local, Laurent Wolf, ao comentar sua mostra individual realizada há dois anos na Fundação Basileia de Bâle, Suíça, lembrou que ela não foi obra do acaso. Bâle, distante 10 mil quilômetros do Brasil, foi a região que testemunhou o nascimento da arte do escultor Max Bill (a primeira exposição de arte concreta foi organizada por ele lá). Wolf, educado pela arte construtiva, o formalismo e o rigor gráfico, ficou impressionado com a habilidade de Manfredo em seguir essa tradição sem abdicar da paisagem mineira, marco zero de uma pintura que, no passado, chamou a atenção de poetas como Carlos Drummond de Andrade, já na primeira individual carioca do pintor, em 1975.

Na retrospectiva da galeria Bergamin, que será aberta nesta terça-feira, 9, intitulada apropriadamente de Paisagem Ainda Que, estão reunidas obras dessa época, que representam as montanhas de Minas não por meio de uma figuração evocativa, mas pela presença concreta de pigmentos naturais obtidos de amostras coletadas na terra natal de Manfredo. Para citar mais uma vez o suíço LaurentWolf, essa forma artesanal de preparar as cores, retornando ao modo arcaico de fabricação da tinta, aproximou Manfredo dos pintores do Quattrocento italiano com seus ocres e cores rebaixadas que em tudo representaram um contraponto ao delírio cromático predominante na arte brasileira quando o pintor mineiro começou sua carreira.

Vale lembrar que Manfredo surge num cenário dominado pela arte conceitual (anos 1970), ignora a onda neoexpressionista dos anos 1980 e se mantém fiel à arte dos neoconcretos, o que fica evidente quando se vê, como na mostra, trabalhos da série Forquilhas, em que o suporte, rompendo com a ortogonalidade da tela, se funde com a pintura. Matéria e cor, estrutura e pigmentos, tudo se mistura nessa obra amalgamada que torna inseparável natureza e arte, “repetindo o gesto ancestral de imprimir a marca do homem à rocha”.

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No trabalho de Manfredo, a forma recortada “acentua a materialidade do quadro, pois o suporte não é mais um retângulo ou quadrado neutro em que a pintura acontece, e sim um elemento ativo que amplia sua significação”, observa o artista. De fato, é inegável a filiação de Manfredo aos objetos ativos criados em 1959 pelo neoconcreto Willys de Castro e marcados pela negação da natureza planar da pintura, transformada num objeto tridimensional à medida que o espectador se move diante da obra. Talvez não seja demais lembrar que o purismo do mineiro encontra correspondência tanto na escultura de Amilcar de Castro como nas pinturas minimalistas de Ellsworth Kelly, que usou igualmente telas de formatos irregulares.

No entanto, as peças organométricas do mineiro, que passam do orgânico ao geométrico, conservam uma ligação sentimental com as cores da terra, o óxido de ferro e as pedras trituradas que Manfredo vai recolhendo pelo caminho. A volta às telas ortogonais, agora, não significa nostalgia, mas um passo adiante para a liberdade formal. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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