O fim do mundo, segundo o místico italiano Eugênio Siragusa, deveria se dar em algum dia do ano de 1973. Os alienígenas que ele dizia contatar, descontentes com o que viam lá de cima, estavam decididos a apagar as luzes a qualquer momento. De repente, foi uma escuridão só. Não havia mais a festa da Era dos Festivais, a Tropicália se mandara depois de dar seu recado, a Jovem Guarda era uma brincadeira do passado e a Bossa Nova começava a dar sinais de fossilização. O fim do mundo previsto por Siragusa poderia até fazer algum sentido se 1973 não se tornasse, justamente, o recomeço.

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A falta de norte virou o rumo e a ausência de parâmetros, a libertação de quem não tinha mais mantras a seguir – desde que não irritasse os militares. Os anos anteriores, sobretudo os pós-Tropicália, já deixavam a marca da pluralidade, e artistas como Elis Regina haviam sedimentado suas carreiras sobre ela. Mas 1973 ia além. Fagner, João Bosco, Odair José, Raul Seixas, Tom Jobim, Caetano Veloso, Chico Buarque, Clementina de Jesus, Gal Costa, João Gilberto, Naná Vasconcelos, Martinho da Vila, Tom Zé, Nelson Cavaquinho, Walter Franco, Tim Maia, Secos e Molhados, Taiguara, Som Imaginário, Milton Nascimento, Novos Baianos, Sérgio Sampaio. Se os alienígenas amigos de Siragusa ouvissem os discos dessa gente em 1973, certamente acreditariam que cada um caiu de um planeta diferente.

Assim, e com mais um punhado de argumentos, o livro 1973 – O Ano que Reinventou a MPB apresenta o ciclo “sem movimentos” da música brasileira. A coordenação de Célio Albuquer reúne 48 álbuns lançados em 1973 que reforçam a tese da temporada que não era da música de protesto nem das canções melodiosas. “Era tudo isso e mais um pouco”, escreve. Cada título é analisado por um crítico. “Só fizemos questão de chamar para escrever pessoas que tivessem ligações muito pessoais com as obras”, conta Célio.

Há ainda um capítulo sobre o álbum Phono 73 – O Canto de Um Povo, gravado ao vivo durante o festival não competitivo de três dias realizado pela gravadora Philips/Polygram, e uma entrevista com seus comandantes, André Midani e Roberto Menescal, feita por Albuquerque e pelo jornalista Marcelo Fróes, diretor editorial do projeto. “Eles dizem que foi ali que viram a necessidade de tratar os artistas sem mais diferenças”, conta Albuquerque. Afinal, eram as altas vendagens de um fenômeno de massas como Odair José que pagavam as contas dos baixos retornos de artistas consagrados.

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A temporada de 1973 pagou um tributo pelo experimentalismo e pela individualização dos projetos. O livro mostra que foi ela também a safra dos incompreendidos. Ou, como disse Tom Jobim a Paulo Cesar Pinheiro quando seu parceiro na música Matita Perê o desencorajou de ouvi-la no rádio, conforme narra na obra o jornalista Roberto Muggiati: “É meio sinfônica e tem tempo demais para o rádio, quase oito minutos”, disse Pinheiro, para logo ouvir de Tom: “Essa aí não é pra agora, é para adiante”.

Para adiante também seria Manera Fru Fru, Manera, a estreia do cearense Fagner nos LPs. Entendida hoje como uma obra monumental, com Último Pau-de-Arara, Mucuripe, Canteiros e Serenou na Madrugada, o disco de Fagner fracassaria nas prateleiras, como conta o autor do artigo sobre o álbum, o jornalista do Estado Renato Vieira. “Apenas 5 mil cópias foram vendidas e o álbum foi retirado de catálogo ainda em 1973.” Uma derrota que pode ter começado com uma série de embates judiciais.

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Fagner primeiro foi processado pela família de Cecília Meirelles pelo uso de versos do poema Marcha na canção Canteiros. Depois, como conta Vieira, foi também processado pela família de Hekel Tavares por usar uma parceria sua com Nair Mesquita, Você, como sendo a canção Penas do Tiê. A série se completaria com Sina, assinada por Fagner e Ricardo Bezerra, que, a exemplo de Marcha, de Cecília, tinha como base os versos de O Vaquêro, de Patativa do Assaré.

O jornalista Danilo Casaletti lembra em seu texto o álbum Elis, de 1973, que, mesmo vindo de um grande disco de 1972, foi recebido com reservas pelos jornalistas. “Por conta de um som bastante elaborado – o trabalho em estúdio durou três meses – o disco foi classificado pela crítica como ‘frio’, ‘contido’ e ‘técnico demais'”. Sorte o mundo não ter acabado em 1973.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.