Jeremías Gamboa desembarca no Brasil com status de fenômeno literário: apadrinhado por ninguém menos que Mario Vargas Llosa, com críticas elogiosas em jornais de diversos países (do El País, espanhol, ao Clarín, argentino), respaldado pela agente literária do boom Carmen Balcells, best-seller no Peru, encarando de frente E.L. James (50 Tons de Cinza), George R. R. Martin (Guerra dos Tronos) e Dan Brown.

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Gamboa nasceu em 1975 em Lima, estudou comunicação por ali, fez mestrado nos EUA e trabalha desde muito jovem com o jornalismo, pelo menos até quando decidiu se dedicar totalmente à literatura – caminho bastante parecido com o de Gabriel Lisboa, protagonista de Contar Tudo (Objetiva), que faz um esforço danado para cumprir a promessa do título.

O furor sobre Gamboa foi primeiro causado por seu livro de estreia, Punto de Fuga, de contos, ainda não publicado por aqui. Contar Tudo já nasceu famoso. Sobre o livro – que se apresenta com o risco de ser ofuscado pela expectativa que criou -, Gamboa respondeu às seguintes questões por e-mail.

Você disse em outra ocasião que a ironia é supervalorizada hoje em dia. Contar Tudo parece um romance sem ironia alguma.

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Sim, é um livro sem ironia. Depois de algum tempo escrevendo, me dei conta que não era o tipo de autor com humor ácido ou com uma visão irônica das coisas. Pelo contrário. Acredito ter sido testemunha de uma sobrevalorização da ironia e da presença potente de artistas que não a usam, mas que se aproximam à mais pura sinceridade e fé, como os músicos do Arcade Fire. Nesse sentido, estou próximo de uma ideia do escritor israelense David Grossman, que advoga por uma “ingenuidade adquirida”. Parece que em um tempo tão acossado pela ironia, e, sobretudo, pelo cinismo, podemos fazer do romance um campo de resistência para esse tipo de ingenuidade.

A frase utilizada na orelha da edição brasileira, retirada do El País, diz que a sua literatura busca uma luz no fim do túnel. Mas há alguns rastros que a aproximam dos beats, por exemplo, como a prolixidade. O ‘malditismo’ é algo que o preocupa?

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É verdade que meu romance tem fortes ecos de Henry Miller (sobretudo no início) e de Jack Keroauc, escritores que geraram seguidores “malditos”, mas (minha literatura) não é maldita no sentido de que não se justifica em contar experiências escandalosas ou extremas, das quais não se extrai um conhecimento. Me interessa que a literatura ofereça também luzes dentro do contraste da experiência humana, que tente vislumbrar possibilidades de entendimento ou de relações entre pessoas.

Sei que Gabriel Lisboa não é você (e que é, ao mesmo tempo), mas depois de passar por uma viagem tão grande, e agora que é um escritor de sucesso, acredita que encontrou o que procurava?

Ele sim encontrou e creio que eu também: a possibilidade de escrever. Acredito que o êxito era para ele encontrar-se na literatura e consegue no romance, ainda que não saiba o que lhe espera. Eu creio que me encontrei também graças a ele, e graças à repercussão de Contar Tudo obtive certa calma para me dedicar ao projeto do romance seguinte.

E do que ele trata?

Posso dizer que será provavelmente de fôlego e que explora as pegadas do passado familiar. Por isso, a trama enlaça a história de dois meninos que crescem até se converterem em pais: um deles é filho do outro. É uma história que implica vários tipos de viagem, e que inclui cenários de Lima e de Ayacucho, um espaço no interior dos Andes peruanos em que surgiu o Sendero Luminoso, o movimento terrorista mais sanguinário da história contemporânea do Peru. Um romance sobre os laços filiais, certa violência social e do meio, a passagem do tempo e a paternidade.

O personagem Gabriel gosta muito da música de Caetano Veloso, de Lou Reed, e de outros artistas de música popular. Qual é a relação entre esse tipo de música e a literatura que pretende fazer?

Caetano Veloso foi determinante para mim em certo momento da minha vida. Eu era um garoto mestiço de Lima, bastante complexado com minha maneira de ser e de sentir e que escutava todo dia Gustav Mahler e se regozijava na dor quando descobri a música de Caetano, e com ele muitíssima música brasileira. Caetano abriu uma janela de percepção de minha condição mestiça que era gozosa, e que me fez muito bem. Me ensinou que a arte pode ser desfrutada, e que um pode falar de coisas como a dor ou a perda sorrindo. E que alguém pode amar seu corpo e sua pele escura e desfrutá-las. Fiquei encantado de fazê-lo dançar no quarto de Gabriel, junto com Gabriel. É o grande homenageado do meu livro com Lou Reed, que foi um mestre da liberdade para mim. Creio que a esses músicos devo tanta ou mais influência do que a certos escritores que admiro. A música popular é absolutamente importante para mim porque nela formei minha sentimentalidade. Do Brasil me encantam Milton, Chico, Gil, Adriana Calcanhotto, Lenine… Foi uma ilusão ler a edição brasileira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.