Nelson Pereira dos Santos morreu em 21 de abril. Em 22 de outubro, o paulistano que se fez carioca, por sua vida e obra, teria completado 90 anos. Por conta da data redonda, homenagens vinham sendo preparadas – nas cinematecas da Cidade do México e Paris, na Universidade de Berkeley. Neste domingo, 4, o Festival do Rio prestou sua homenagem a um dos grandes mestres do cinema brasileiro exibindo, no Instituto Moreira Salles, as versões restauradas de “Rio 40 Graus” e “Rio, Zona Norte”. Nesta terça-feira, 6, começa em São Paulo a retrospectiva que o IMS dedica a Nelson. Será exibida a integralidade da obra do diretor, 25 títulos, incluindo “Rio 40 Graus” e “Rio, Zona Norte”. Mas tem uma particularidade. Os filmes serão apresentados ao longo do ano. Os dois citados, os primeiros do cineasta, ainda em novembro.
Filha e produtora de filmes de Nelson, Márcia Pereira dos Santos diz que o objetivo é facilitar o acesso à obra de seu pai, caracterizada por grande variedade de temas, estilos e gêneros. “Além de marcar os 90 anos de Nelson, pensamos em criar iniciativas que mantenham sua obra acessível e presente na vida das pessoas.” A programação de “Rio 40 Graus” tem um significado especial. Quando Nelson fez seu filme, em meados anos 1950, bebendo na fonte do neorrealismo italiano, nem ele talvez soubesse, mas estava lançando a pedra fundadora do Cinema Novo. Nelson e, antes dele, Humberto Mauro, com o ciclo de “Cataguases”, foram os mestres reconhecidos de Glauber.
“Rio 40 Graus” virou, em 1955, o que hoje se chama de “case”. O filme narra a vida de um grupo de garotos que, num típico domingo de verão, deixam a comunidade para vender amendoim na Zona Sul. O samba de Zé Kéti, A Voz do Morro, é o tema musical e o próprio compositor interpreta o personagem Neguinho. Roberto Batalin, Glauce Rocha, Jece Valadão, Modesto de Souza e Sady Cabral estão no elenco. Há 63 anos, o chefe de censura da época tentou banir o filme das salas, alegando que se travava de uma grande mentira. Não, ele não se referia as condições sociais que Nelson denunciava. A mentira, todo mundo sabia, é que no Rio a temperatura chega a 39 graus, mas nunca a 40 – dizia ele.
Hoje em dia, isso faz parte do folclore que cerca o filme, mas existem outras questões a considerar. “Rio 40 Graus” motivou um perrengue de Nelson com a Cinemateca Brasileira, na qual havia depositado o negativo de seu filme. Para imensa tristeza de Nelson – “Os filmes eram filhos para ele”, conta Márcia -, “Rio 40 Graus” queimou-se porque a cópia queimou. Uma extensa busca levou à descoberta de que na, antiga Checoslováquia, havia um internegativo e, assim, “Rio 40 Graus” foi salvo para voltar agora, envolto na sua aura de “clássico” do cinema nacional. Os dois Rios, 40 Graus e Zona Norte, compõem um díptico sobre a adversidade social. E são obras de forte musicalidade.
“Rio Zona Norte” mostra Grande Otelo como um compositor popular que caiu do trem da Central – houve, no Festival do Rio, no domingo, outra emocionante homenagem aos 20 anos do filme de Walter Salles com Fernanda Montenegro e Vinicius de Oliveira. Enquanto está morrendo, Otelo vê sua vida passar em flash-back. Lembra a dificuldade para vender seus sambas, e uma cena o mostra tentando cooptar Ângela Maria, a rainha do rádio que morreu em 29 de setembro, sob o olhar do jovem Glauber Rocha. Todo Nelson. Nos próximos meses, e graças ao IMS, será possível (re)descobrir e (re)valorizar a importância de Nelson. Suas duas adaptações de Graciliano Ramos, “Vidas Secas” e “Memórias do Cárcere”, são viscerais e o experimentalismo de “Fome de Amor” e a vibração de suas incursões pelo mundo popular em “O Amuleto de Ogum” e “A Estrada da Vida” – seu grande filme menos valorizado -, merecem, mais que nunca, ser resgatados. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
RETROSPECTIVA NELSON PEREIRA DOS SANTOS
IMS. Avenida Paulista, 2424. Dia 6/11: 18h e 19h50. Dia 20/11: 17h30 e 19h30. R$ 8