Obra de Tim Burton inspira trabalho “6 por 1/2 dúzia”

O excêntrico conjunto de personagens criados por Tim Burton permitiu aos integrantes do Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial uma releitura que ultrapassa a representação fantástica para se inscrever no corpo. A proximidade com os personagens sombrios e peculiares do cineasta culminou nas criações de seis solos registrados em “6 por 1/2 dúzia”, trabalho que será apresentado de hoje até o dia 27 no TUC (Teatro Universitário de Curitiba).

Na verdade, o que será mostrado nestas três semanas faz parte de mais de um ano de envolvimento com o trabalho de Burton, que teve início com a leitura do livro “A morte melancólica do rapaz ostra & outras histórias”. A idéia dos solos já vinha sendo amadurecida antes mesmo da montagem, em fevereiro deste ano, de “O Rapaz e a Rapariga:Peça de Pessoa, Prego e Pelúcia” também inspirada nos personagens do cineasta que ocupou o palco do Teatro Novelas Curitibanas.

Um desdobramento da pesquisa rendeu material para o novo projeto, onde os “couves” dirigem o olhar para desenvolver os personagens individualmente e acentuar pontos que poderiam ser mais e melhor explorados.

A dupla que estreia é Ricardo Marinelli com “Se ele fosse outra coisa não seria muito diferente”; e Gustavo Bitencourt com o solo “Pig Lalangue”. A segunda semana segue com apresentações de Cândida Monte com “Magda”, uma menina magnética que mora em uma geladeira; e “Mood” de Neto Machado com seu monstro que altera formas e cores. Na última semana, Elisabete Finger e Michelle Moura dividem a noite para apresentarem “Bestiário” e “Cavalo”, respectivamente.

Antes do interesse em pesquisar a obra do cineasta, uma coincidência acabou direcionando o coletivo para a forma bizarra dos seres surgidos da mente do norte-americano. Primeiro, veio a constatação que os últimos trabalhos vinham sendo motivados pela vontade em criar ambientes a partir da materialidade da cena. “As criações se desenvolviam por meio da relação do corpo com objetos de cena, o que sugeria uma ligação sensorial específica com cada coisa”, aponta Ricardo Marinelli.

Depois, a coincidência: mesmo distantes geograficamente, alguns integrantes do coletivo compraram o livro de Burton para presentear outros. A percepção de que a obra do cineasta dialogava com as questões presentes no trabalho do Couve-Flor ficou clara. Essas questões se desdobraram nos personagens da peça, que, por sua vez, foram aprofundadas nos solos.

Solos de estreia

Ricardo aprofundou as suas questões fundamentando o trabalho na ambiguidade fragilidade x força e explorando mais o universo ácido do que o bucólico. Isso se revela na imagem das facas incrustadas no corpo: no início, cobertas por roupas, parecem sair da sua própria pele. Mas, em um segundo momento, o bailarino tira a veste e deixa transparecer como os objetos estão fixados no corpo. “Existe a metáfora da relação com o outro. Com facas cortantes, como acontece essa aproximação?”, questiona.

Em formato de “stand up”, um homem conta uma história em um idioma que não existe. Ou melhor, existe, mas na criação do trabalho de Gustavo, que estruturou o solo criptografando a sua intimidade em uma língua inventada. Para continuar com o que havia experienciado com o personagem da peça, ele foi a fundo na pesquisa que resultou no “novo” idioma. “Estudei esperanto para ver como é a formação. Foi um processo de adaptar algumas palavras e inventar outras pela associação livre. Parece quase compreensível”, conta Gustavo.

A intenção do bailarino é buscar um jeito de lidar publicamente com a fala de uma forma parecida com o que acontece em um sonho, onde as palavras são metáforas para outros significados. Além da linguagem de “stand-up comedy” o solo dialoga ainda com o cinema de David Lynch e com a m,úsica de Ennio Morricone, presente na trilha sonora.

Para explicar como pode ser a sensação de ouvir sem entender, Gustavo conta uma situação que viveu em Budapeste, sem entender uma palavra húngara. “Me pegava rindo de piadas que eu não entendia, criando possíveis significados”. A ideia é justamente essa: que o público fique livre para fazer as associações que quiser.

Serviço

6 por « dúzia – criações autônomas compartilhadas. A partir de hoje até 27 de agosto, no TUC (Teatro Universitário de Curitiba) – Galeria Júlio Moreira, Largo da Ordem, em Curitiba. De quarta a sexta-feira, às 20h. Sessão extra na sexta, às 17h. Obs.: A cada semana serão apresentados dois solos distintos. Artistas criadores: Ricardo Marinelli e Gustavo Bitencourt (de 11 a 13 de agosto); Cândida Monte e Neto Machado (de 18 a 20); Elisabete Finger e Michelle Moura (de 25 a 27). Ingressos a R$10, à venda no local.

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