Os índios Caingangues, habitantes do Sul do Brasil, sofrem hoje com dois grandes problemas: o confinamento em espaços cada vez mais reduzidos e a ?invisibilidade? de sua cultura no contexto da sociedade nacional. ?No entanto, a criatividade destes índios revela, dentro destas condições, estratégias de reforço de sua alteridade?, explica Flávia Lac, que estudou o tema em sua dissertação de mestrado. Ela contou com a orientação do professor Ricardo Cid Fernandes e o apoio dos professores da UFPR-Universidade Federal do Paraná. Seu foco: a apropriação do turismo pelos índios caingangues da terra indígena Iraí-RS, sua tradição de hospitalidade e sua relação com os turistas e agentes do turismo.
A terra indígena de Iraí-RS é a menor área demarcada no Estado do Rio Grande do Sul. Diante da insuficiência de recursos, a comunidade especializou-se na produção e no comércio de artesanato, atividades consideradas pelos caingangues da terra indígena Iraí como as verdadeiras atividades indígenas.
Reunião de caingangues ao redor do fogo de chão. |
A venda de artesanato expõe os índios ao turismo, tanto nas águas termais de Iraí-RS quanto nas viagens que fazem para efetuar o comércio de seus produtos. De acordo com a pesquisadora, ?o turismo torna-se uma arena que oportuniza a reivindicação de sua ?visibilidade?. A afirmação de sua identidade através de danças, como ocorreu por ocasião da demarcação de sua terra indígena, tornou-se emblema de sua luta por seus direitos. Lá eles recebem turistas de acordo com seus costumes de hospitalidade, esperando receber em troca o respeito dos turistas.?
?Turismo é uma coisa muito importante para nós. Queremos aprender a usá-lo ao invés de sermos usados através dele?, disse Roberto Carlos dos Santos, ex-cacique e conselheiro caingangue de Iraí-RS. Lac explica que, atualmente, diversas etnias indígenas desenvolvem o turismo em seu território ou manifestam vontade de desenvolver projetos nesta área.
Confecção de artesanato. |
A Funai – Fundação Nacional de Assistência ao Índio – ainda não possui uma regulamentação específica que proteja o turismo étnico. As discussões estão mais adiantadas em outros países que desenvolvem turismo étnico há mais tempo, como Canadá, Austrália, Nova Zelândia.
Apesar de a Funai não ter apoiado o debate sobre o tema até então, em 1997 foi editado um livro intitulado Manual indígena de ecoturismo, elaborado pelo Grupo Técnico de Coordenação de Ecoturismo para a Amazônia Legal em parceria com cinco etnias da região.
No primeiro Simpósio e Exposição Internacional de Ecoturismo e Desenvolvimento Sustentável da Baía Amazônica, ocorrido na cidade de Manaus (Ecotur Amazônia, 2001), foi discutida a relação entre o ecoturismo e a cultura indígena. A implantação de projetos neste setor é dificultada por problemas, como falta de capacitação nos setores de atendimento, finanças, fiscalização e controle ambiental.
O exotismo indígena
De acordo com Lac, o turismo indígena do ponto de vista dos não-índios ?é distorcido pela falta de informações sobre como ocorreu o contato entre os índios e a sociedade nacional. As sociedades indígenas ainda são exóticas aos olhos dos não-índios e este é o eixo do turismo étnico. Acredito que o exotismo é parte do processo da visitação turística, porém poderia ser acompanhado de maiores informações a respeito da sociedade indígena em questão e de seu contato com a sociedade nacional?, explica Lac.
Os caingangues aproveitam as brechas abertas pelo turismo dos não-índios para fazer sua própria política porque são eles que regulam como as coisas devem ocorrer dentro da terra indígena. A pesquisadora explica que ?através do turismo, os índios tornam públicas suas condições de existência e têm oportunidade de transformar os turistas em simpatizantes de sua causa e possíveis aliados. Assim, é mais difícil que seus direitos sejam transgredidos com tantos observadores.
Para os hoteleiros da cidade, o turismo tende a ser como um estado de espírito que demanda serviços com os quais se obtém lucro. Para os caingangues, o turismo é uma oportunidade para se expressarem, serem ouvidos e, assim, ?amansarem? os não-índios de seu preconceito?.
Importância da pesquisa de campo
De acordo com Lac, a pesquisa de campo foi essencial para o seu trabalho, como acredita ?ser essencial para qualquer outro trabalho antropológico. Ela possibilita que os pesquisados sejam ouvidos e expliquem seus significados, que se faça uma leitura atualizada da realidade pesquisada e que sejam evidenciadas questões antes não refletidas?.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná zeliabonamigo@uol.com.br