‘O Som ao redor’ marca a retomada do cinema de autor

A retomada do cinema brasileiro está muito além dos blockbusters, aqueles filmes que enchem as salas e faturam alto nas bilheterias, mas é perceptível também no chamado cinema de autor, um gênero que ganhou respeito com os “jovens turcos” da Cahiers du Cinema, como Godard, Truffaut, Rivette e Chabrol, que mais tarde se transformariam nos azes da nouvelle vague, e elevariam o cinema a uma arte individual, carregada com as tintas do diretor.

No Brasil, o cinema de autor permaneceu um tempo de lado, como se Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos nem sequer tivessem passado por terras tupiniquins. Os trunfos mais recentes desse legado são “O Som ao redor”, do pernambucano Kleber Mendonça Filho, que chegou a ser cotado para o Oscar e “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, que trabalhou como roteirista de outro cineasta autoral, Claudio Assis, responsável por “Febre de rato” e “Amarelo manga”.

Duas felizes coincidências: Lacerda e Mendonça são pernambucanos e tanto “Tatuagem”, quando “O Som ao redor”, são longas de estreia dos diretores.

Quebra de paradigmas

A importância de se criar um cinema de qualidade no Brasil é um tema posto em pauta há tempos, porém, ele é sempre solapado pela necessidade de se criar sucessos estrondosos, como “Se eu fosse você” e “Até que a sorte nos separe”. Já “O Som ao redor”, “Tatuagem”, “Estômago”, de Marcos Jorge, lançado em 2008, são a prova de que existe um público interessado em um produto menos palpável e mais artístico.

Divulgação
Irhandir Santos em ‘Tatuagem’. Ator
se tornou um dos destaques do
cinema de autor.

Os orçamentos dos filmes de arte brasileiros, se comparados aos primos blockbusters, são ínfimos. Para fazer “O Som ao redor” Mendonça gastou perto dos R$ 2 milhões e arrebatou algo próximo a 62 mil espectadores. “Tatuagem” foi orçado em R$ 2,2 milhões e levou pouco mais de 20 mil pessoas às salas de cinema. Nesse caso – e mais que nunca –, o ditado de que quantidade não é qualidade ganha cores.

O principal veículo de circulação desses filmes são as cinematecas e cineclubes, deixando os conglomerados e grupos de salas de projeção com os longas de maior apelo comercial. Em Curitiba, “O Som ao redor” foi exibido na Cinemateca, em janeiro; já “Tatuagem” permaneceu em cartaz no Espaço Itaú, conhecido por rodar produções voltadas ao cinema-arte.

O filme curitibano “A Que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?”, de Rafael Urban e Tereza Keller não teve a mesma repercussão – e nem divulgação que seus colegas pernambucanos -, ainda assim foi um dos destaques de 2013.

O cinema de autor ressurge no Brasil como consequência da ascensão social ou da preocupação com o consumo e desenvolvimento cultural? Talvez, ainda seja muito cedo para dizer como e porquê os paradigmas têm sido quebrados, mas é certo que o cinema-arte tem recebido mais atenção que nos últimos anos. Muito mais que honrar a memória dos grão-mestres do gênero, essa nova percepção sobre a produção atual marca o respeito pelos realizadores contemporâneos.

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