Ao conhecermos o Sócrates que Platão nos mostra em vários dos seus Diálogos imortais, temos a impressão de que se trata de um ?outro eu? do filósofo da Academia. Trata-se de uma falsa impressão, é claro, pois é indiscutível a historicidade do ateniense filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenarete, e que viveu de 469 a 399 a.C.
Sócrates, que o oráculo de Delfos considerou o mais sábio dos gregos, não foi apenas um extraordinário filósofo ? foi o pai da Filosofia ou, como querem alguns, a própria Filosofia encarnada.
Curiosamente, ele não escreveu uma só linha, uma simples página, um único folheto. Apenas falava, discutia, ensinava. Utilizando um instrumento singelo: a palavra poderosa, que dava concretude a um pensamento verdadeiramente superlativo.
A rigor, não existe apenas um Sócrates, mas três: o de Platão, discípulo dileto e porta-voz entusiástico, o do historiador Xenofonte e o do teatrólogo Aristófanes.
Não há dúvida, porém, de que o retrato socrático pintado por Platão é o mais perfeito dos três. Nele, o discípulo não se contenta em fazer o elogio do mestre, mas procede à sua glorificação calorosa. Mais do que pintá-lo ou descrevê-lo, canta-o, na qualidade de poeta, que também era, além de inventor da prosa literária.
De fato, o Sócrates platônico tem algo de um herói ou de um semideus homérico. É um misto de gênio do intelecto e titã do pensamento. Chega a tangenciar até mesmo a santidade, pela dimensão ética, pela envergadura moral que ostenta. Tem o perfil exato de um santo pré-cristão. Não chegou a ser canonizado, por ser pagão? Merecia sê-lo.
