Peter Jackson beija a roteirista Fran Walsh. |
Foi uma noite de Oscar para ser esquecida – insossa, sem graça, previsível e muito politicamente correta. Não apenas porque os brasileiros não levaram nada, nem os profissionais de Cidade de Deus e tampouco o diretor do desenho Gonne Nutty, mas porque a Academia foi descarada e qualificou apenas seus “filhos” mimados e protegidos. O marketing de O Senhor dos Anéis, um bom filme, sem dúvida, não deu chances para os outros e, como disse Steven Spielberg, foi um clean sweep, em tradução aproximada, uma lavada.
O Senhor dos Anéis, o Retorno do Rei é um grande filme. Chato para os mais velhos, mas quem leu o livro e tem paciência para ficar 3 horas numa cadeira de cinema, certamente vai se divertir muito. É uma produção caprichada, ótima fotografia, edição, som, etc. Mereceu. Melhor, é uma boa história e foi bem contada. Mais difícil ainda, Jackson, conseguiu unir computação gráfica e efeitos especiais com seres humanos.
A premiação do terceiro O Senhor dos Anéis foi desigual. Esta última parte, O Retorno do Rei, concorria com o peso de três anos, como um filme de nove horas de duração e com a condescendência da Academia de Hollywood.
Peter Jackson filmou a trilogia de uma só vez e fez questão de anunciar, logo na estréia da primeira parte, que as duas restantes estavam prontas e já tinham data para estrear. A academia então entendeu que em 2002 e em 2003 não seria ainda o momento de tratar de O Senhor dos Anéis com a devida atenção. Sendo assim, quem em 2004 o enfrentou, perdeu, não necessariamente por mérito.
A última parte levou 11 estatuetas, em todas as categorias a que fora indicado. Com a consagração, O Retorno do Rei se iguala a Titanic e a Ben-Hur no hall dos filmes mais premiados pela Academia de Hollywood.
A festa da academia foi chata porque ganharam os melhores, sem surpresas. Talvez tenha sido um exagero o Oscar para Sofia Coppola de melhor roteiro original. Era apenas o diário das semanas que ela passou em Tóquio no final da adolescência. E o filme é ruim.
Billy Cristal, o apresentador-mór que sonha ser Bob Hope um dia, contou algumas piadas. Mas nada picante, tudo dentro do limite. Os EUA estão em guerra e o luto de 11 de setembro de 2001 pela torres de NY ainda não passou. A academia manteve o cronograma, horários (3h30 de show), ninguém opinou, protestou ou recusou o prêmio. Apresentadores e agraciados pareciam robôs de um admirável mundo novo e restrito dos EUA. A cena mais patética, talvez intrigante, foi a do Bill Murray sério e desolado quando perdeu o Oscar de melhor ator para Sean Penn. Foi humilhado depois por Crystal. De resto, Rene Zelwegger e Tim Robbins mereceram os Oscars de coadjuvante e Charlize Theron esteve maravilhosa, bem vestida e educada no seu discurso de agradecimento.
A maior quebra de protocolo pertenceu a Fernando Meirelles que, quando focalizado pela câmara antes do anúncio do vencedor de direção, fez um sinal de paz e amor com a mão. Muito bem. No final, para falar a verdade, este Oscar foi apenas um grande golpe de marketing, dirigido para O Senhor dos Anéis bater incondionalmente o Harry Potter, seu inimigo nas telas e nas vendas de produtos licenciados.
Cidade de Deus passou em branco
Mais uma vez, o Brasil sai do Oscar, em que entrou em melhores condições, sem uma estatueta nas mãos. Cidade de Deus e seu hiperrealismo ficaram chupando dedo diante da fantasia massificadora de O Senhor dos Anéis, que deu novo sentido à palavra blockbuster: sua terceira parte já é o segundo filme mais visto na história e a trilogia como um todo acaba de bater um recorde sem precedentes – em três anos conquistou 13 Oscars em categorias diferentes.
Não faltam boas justificativas para Cidade de Deus. Afinal, concorrer com um projeto industrial do porte do que foi levado a cabo por Peter Jackson e cia. não é fácil mesmo. Ainda mais para um filme brasileiro que, por mais que tenha sido bem recebido nos EUA e na Europa, obriga o público americano a ler legendas (coisa que eles não apreciam) e mostra um mundo que pode ter gerado certo estranhamento. Não combina com os gringos. Aliás, é de se duvidar se algum dos 5.a800 membros com direito a voto da academia tenha assistido o filme.
E, como é sabido mas não é demais repetir, conseguir quatro indicações ao Oscar em categorias técnicas importantes, num trabalho de relançamento que evidencia a aposta que a Miramax fez em Cidade de Deus, é feito de grandeza suficiente para um filme feito abaixo do Equador. Ou seja, não ganhar não diminui Cidade de Deus.
Cidade de Deus chegou onde podia chegar. As quatro indicações eram mesmo seu limite. Assim foi entendido pela academia, assim foi na narrativa dos fatos. Fica para a história mais uma tentativa na cruzada pelo Oscar que, de tempos em tempos, o cinema brasileiro volta a empreender.
Carlos Saldanha
O diretor de animação Carlos Saldanha também perdeu. Ele concorria na categoria de melhor curta-metragem animado com Gone Nutty. A situação para ele é um pouco diferente afinal os Oscar de animação seguem critérios próprios, já que o mercado deste tipo de filme também é específico. Mas é alguém que merece mais atenção. Já é o segundo ano em que ele concorre; ano passado foi com A Era do Gelo, do qual fez parte da equipe. Acompanhe o trabalho de Saldanha. Este ano ele irá dirigir, sozinho, A Era do Gelo II, como muitas chances de ser indicado.