Marília Pêra nunca escondeu de ninguém que dá prioridade ao teatro em sua carreira. Mas admite que já estava ficando com saudades das novelas – a última foi Porto dos Milagres, de 1998. Depois disso, fez apenas uma participação num episódio do Brava Gente e outra na minissérie Os Maias. Por isso, a atriz diz que dificilmente recusaria um convite como o do autor Antônio Calmon, que escreveu a Janis Doidona, de Começar de Novo, pensando nela. Mas admite também que o alto-astral da personagem veio bem a calhar. “Faria mesmo se fosse uma vilã, mas confesso que faço com mais alegria uma personagem de humor neste momento. Ela lava a alma da gente”, derrama-se Marília.
A atriz não teve muito trabalho para compor a exótica personagem, que jura já ter sido abduzida por alienígenas, vive colocando caraminholas na cabeça do neto Pepê, vivido por Pedro Malta, e parece ter parado no tempo bem no meio dos anos 70s. “Hippie eu nunca fui. Mas usei aquelas roupas, aquelas flores, acreditei loucamente em paz e amor. Aliás, acredito ainda”, diverte-se Marília. O único cuidado foi criar, ao lado de Luiz Gustavo, que vive o não menos inusitado Vô Doidão, o “universo paralelo” no qual os dois parecem “levitar”. Mas esta, garante Marília, é uma das maiores alegrias do trabalho. “Além de ser talentoso e alegre, o Tatá é cheiroso, tem hálito bom, é gentil e cavalheiro”, enumera, entre risos, a atriz, que não trabalhava ao lado de Luiz Gustavo desde Beto Rockefeller, de 1968.
De todas as facetas de Janis Doidona, Marília só não “aprova” a de “conselheira oficial” da rádio Woodstock. Mas nada contra as opiniões da avoada personagem. “Conselho é muito ruim, né? O único conselho válido é: ‘Seja feliz e proporcione felicidade para todo mundo'”, opina. À exceção deste detalhe, a atriz defende Janis com unhas e dentes. Tanto que se antecipa ao desenvolvimento da história para deixar claro que ela trará castigos para alguns dos maiores vilões da trama, mas sempre “sem querer”. “Por causa dela, vão acontecer coisas terríveis aos vilões. É como se ela fosse colocada ali por Deus, para que alguém pudesse ser punido. Mas ela não tem nada com isso, é da paz mesmo”, ressalva.
Boa volta
Animada com o trabalho, Marília acha que não poderia voltar à tevê em melhores condições. Tanto que topou o convite, mesmo tendo que se dividir entre as gravações da novela no Rio e as apresentações da peça Mademoiselle Chanel em São Paulo. “Tranqüilo não é, mas pode ser prazeroso, embora seja muito cansativo”, pondera. Para ela, um convite irrecusável para a tevê inclui um bom autor, diálogo aberto com o diretor e um elenco coeso e animado, exatamente como ela vê em Começar de Novo. “É muito difícil trabalhar sem pessoas interessantes por perto”, sentencia.
Acostumada a dirigir no teatro, onde recentemente comandou A Saga da Sra. Café, de Heloísa Périssé, Marília acha que não leva jeito para a direção na tevê. Mas não deixa de dar seus palpites sempre que participa de um trabalho. “Como nasci neste meio, tenho minhas opiniões. Sei quando uma coisa não vai dar certo”, gaba-se a atriz, que faz piada com a condição “pouco opinativa” dos atores. “O ator é um pobre coitado. Tem de se submeter ao texto, ao diretor, ao cenógrafo, ao figurinista, ao iluminador, ao produtor. Mas acho que, com jeitinho, dá para se manifestar”, ensina.
Pelo menos Marília vem conseguindo. Tanto que julga não existirem diretores tão “déspotas” que não consigam ouvir opiniões de atores. Mas a atriz ainda acredita que poderia ser mais útil aos próprios atores. Além de atuar, ela acha que pode exercer no futuro o papel de “coach”, uma espécie de ensaiador para jovens atores de tevê. “Acho que poderia passar adiante coisas que fui aprendendo na minha profissão desde muito cedo”, acredita, animada.