Baixinho, gorducho e bigodudo, ele tinha muito pouco dos monarcas tradicionais. Apesar da coroa na cabeça e de um inseparável manto real vermelho com gola de arminho branco, ele queria mesmo era divertir-se. E com esse propósito ofereceu alegria e diversão a milhares de leitores. Um humor simples, pantomímico e satírico, de fácil compreensão e muito próximo das gags visuais do cinema mudo.
O Reizinho, ou The Little King, foi um dos mais hilariantes personagens dos quadrinhos do século passado. Nascido no ano de 1930, reinou por mais de quarenta anos seguidos nas páginas dos principais jornais e revistas de todo o mundo, incluindo o Brasil. O reino dele situava-se num ponto imaginário da Europa Central, tinha rainha, princesa, guarda real, conselho de ministros, exército, corte organizada e súditos. A única figura que ali destoava era o rei. Brincalhão por natureza, pouco afeito às convenções e à liturgia do cargo, ele vivia criando situações embaraçosas. Tinha a imaginação fértil e valia-se dela para atingir os seus objetivos, ainda que estes desafiassem o protocolo – o que rotineiramente ocorria.
Sem nome e sem voz
Duas particularidades caracterizavam as tiras de O Reizinho: o herói nunca teve um nome e jamais pronunciou uma só palavra em cena. Comunicava-se por gestos e preferia usar a imaginação à fala.
Seu criador foi Otto Soglow, filho de imigrantes de origem humilde, que passou toda a infância e juventude nos bairros pobres de Nova York.
No início, as aventuras de o Reizinho se resumiam a vinhetas isoladas, mas logo ganharam página própria no The New Yorker. Em 1933, Soglow foi contratado pelo magnata da imprensa norte-americana Wil-liam Randolph Hearst para trabalhar com o King Features Syndicate, mas o personagem somente transferiu-se para as páginas dominicais dos jornais da cadeia de Hearst um ano depois, em 1934.
De 1953 a 1956, The Little King foi também editado em formato de comic book, pela Dell Publishing, então um dos principais selos do mercado norte-americano de gibis, através da coleção Four Color.
O traço de Soglow era simples, de formas arredondadas, quase geométrico, certamente inspirado pelos desenhos que ele conheceu na infância, pintados nas paredes dos bairros novaiorquinos – como observa José Sobral, colaborador da Opera Graphica Editora.
No Brasil
Como a maioria dos super-heróis e personagens animados, O Reizinho chegou ao Brasil pelas mãos do pioneiro Adolfo Aizen. E saiu pela primeira vez no Suplemento Juvenil, em 1935. Depois, apareceu em O Gibi, de Roberto Marinho, e em O Guri, dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Neste último, foi atração das páginas centrais, a cores.
No início dos anos 60, ganhou revista própria, pela Rio-Gráfica e Editora, predecessora da Editora Globo, também de Marinho. Ali, em histórias também escritas e desenhadas no Brasil, sem assinatura (muito provavelmente, por Edmundo Rodrigues, entre outros), ele ganhou voz, porque achava-se que, em formato de gibi, histórias sem balões não funcionavam. Resultado: o personagem acabou descaracterizando-se e a revista teve curta duração.
Em meados de 60, uma nova revista ainda foi lançada pelas Edições DPL, mas apesar do esforço do editor F. A. Tavares e do notável desenhista João Batista Queiroz, da Gráfica e Editora Penteado, a iniciativa não prosperou. O Reizinho era uma criação de consumo rápido e humor previsível, própria para os jornais. Nem por isso, contudo, menos atraente. Tanto é que continuou sendo publicada até 20 de julho de 1975.
No cinema e na TV
Max Fleischer, que já levara Popeye e Betty Boop para o cinema, transformou O Reizinho em desenho animado de sucesso. Georges Stalling, igualmente, realizou alguns curtas-metragens do pequeno monarca para os estúdios da RKO. Aliás, um dos sonhos não realizados de Otto Soglow era ser ator de cinema.
Na TV brasileira, O Reizinho serviu de inspiração para um dos mais festejados quadros do humorista Jô Soares, no extinto Viva o Gordo, da Rede Globo, nos anos 70/80. De joelhos, com um bruto manto nas costas, sapatos presos aos joelhos e uma coroa estilizada na cabeça, Jô fez a festa do telespectador repetindo o bordão “Sois rei? Sois rei?”.
Coleção Opera King
O Reizinho é o volume 9 da Coleção Opera King, mantida pela Opera Graphica Editora, dos editores Carlos Mann e Franco de Rosa, que continua desenvolvendo um precioso trabalho de recuperação do melhor dos quadrinhos de todos os tempos. A coleção é composta, até aqui, dos títulos Os Sobrinhos do Capitão, Popeye, Hagar, Pinduca, Recruta Zero, Mandrake, Betty Boop e Krazy Kat.
Como a distribuição continua sendo feita preferencialmente aos pontos de venda do HQ Club, se os interessados tiverem dificuldade em encontrar a edição, poderão valer-se, em Curitiba, da Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845, tel. 232-5367). E bom proveito.
O pai de O Reizinho: veja quem foi Otto Soglow
Otto Soglow nasceu em Nova York, EUA, no dia 23 de setembro de 1900. De família muito pobre, começou a trabalhar aos quinze anos, fazendo de tudo um pouco, mas sempre motivado por uma vocação irresistível para o desenho.
Em 1919, reuniu as poucas economias que dispunha e matriculou-se no Art Student League. Concluiu o curso em 1919 e passou a fazer ilustrações. No mesmo ano, foi contratado para ilustrar as revistas especializadas em histórias do faroeste Western Story e Lariart.
Paralelamente, foi aprimorando o estilo e passou a atuar também em Colliers e Life, e a colaborar com o tablóide New York World. Em 1928, passou para o New Yorker Magazine, ilustrando a coluna Conversas da Cidade, onde permaneceria até 1972.
Em 1930, Soglow criou O Reizinho, que logo chamaria a atenção do King Features, o maior distribuidor de tiras animadas dos EUA, com o qual firmaria contrato em 1933, para a distribuição do personagem. A página era, então, completada com uma outra figura idealizada e produzida pelo desenhista: Sentinel Louie (O Sentinela, no Brasil), que duraria até 1943.
Entre os seus autores favoritos, Otto destacava George Harriman (de Krazy Kat) e George McManus (de Pafúncio e Marocas), que teriam influenciado todo o seu trabalho.
Otto Soglow foi um dos fundadores, em 1946, do National Cartoonist Society, que anualmente distribuía um troféu, o Reuben, tido como o “Oscar dos Quadrinhos”, a uma personalidade dos comics. Em 1966, acabou sendo ele próprio o agraciado.
Em 1972, como reconhecimento à importância de sua obra, Soglow recebeu o prêmio Elzie Segar Award, instituído pelo KFS em memória do criador de Popeye.
Otto Soglow faleceu em abril de 1975.