No sábado, 12, ao destacar a participação brasileira no 19º Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, o repórter citou dois filmes que, à noite, foram os vencedores da competição brasileira. Homem Comum, de Carlos Nader, foi o melhor documentário, e Democracia em Preto e Branco, de Pedro Asbeg, recebeu menção do júri formado pela cineasta Andréa Pasquim, pelo roteirista e diretor de TV Bebeto Abrantes e pelo professor da Unicamp, Marcius Freire. O prêmio de melhor documentário da competição internacional, outorgado por David Meyer, Jane Yu e Sérgio Oksman, foi para o francês Alain Ughetto, por Jasmine. Não tem nada a ver com a Blue Jasmine de Woody Allen.
A personagem do filme norte-americano é uma espécie de Blanche Dubois perdida no mundo contemporâneo. Como a heroína da peça Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams – que Elia Kazan filmou e no Brasil se chamou Uma Rua Chamada Pecado -, a Jasmine de Cate Blanchett é uma socialite falida que vive da caridade de estranhos (mesmo que quem a receba em casa seja a irmã que ela sempre desdenhou). A Jasmine de Ughetto é mais um sonho de mulher. O próprio filme tem muito de autobiográfico.
Nos anos 1970, o jovem Alain Ughetto conheceu e se apaixonou por uma garota iraniana em Paris. Na França vivia exilado o aiatolá Khomeini, que comandou, à distância, a revolução que levou à deposição do Xá Mohammed Reza Pahlevi. A república dos aiatolás não criou o sonho de liberdade que muitos jovens sonhavam. Jasmine voltou a seu país e desapareceu da vida de Ughetto. Ele virou diretor, fez muitos filmes (documentários) e agora resolveu se voltar para o próprio passado. Misturando técnicas e estilos – animação, filmes domésticos, imagens de arquivo -, ele busca essa Jasmine mítica, a quem nunca deixou de amar.
Nós que nos amávamos tanto, o tempo perdido e nunca reencontrado (exceto na imaginação). Dois bonecos – ela e ele. Pela mistura de animação e live action, muitos críticos fizeram a ponte entre Jasmine e Valsa para Bashir, de Ari Folman. Outros preferiram lembrar Persépolis, de Marjani Satrapi, e talvez se possa alargar o círculo de referências e influências até A Imagem Que Falta, se bem que animação é um processo demorado e o filme de Ritty Pahn, que realmente tem similaridades com Jasmine – os bonecos, a foto e a mulher perdidas -, é do ano passado.
Carlos Nader, que venceu com Homem Comum, começou como videoartista e depois ganhou a fama de discípulo de Eduardo Coutinho só porque fez um filme sobre o autor de Cabra Marcado para Morrer. Na verdade, ele foi jornalista e foi a curiosidade – por lugares e pessoas – que o motivou. Como diz – e conversava com Coutinho sobre isso -, embora suas visões de mundo fossem muito próximas, o método era diferente. Nader já venceu o É Tudo Verdade com um filme sobre Wally Salomão, Pan-Cinema Permanente (em 2008). É o primeiro diretor, em quase 20 anos, a ganhar duas vezes.
O próprio título dá conta agora de uma mudança substancial. Por 20 anos, Nader acompanhou um personagem anônimo, o caminhoneiro Nilson. Tornou-se um amigo, como foram amigos Coutinho e Wally Salomão. Na estrada e em casa, quando ficou doente, Nader e sua equipe – a quem o diretor agradeceu na premiação – acompanharam as lutas de Nilson, a tal ponto que o repórter, no sábado, falando no filme, disse que ele emparelhava com o belo A Alma da Gente, que integrou a homenagem a Helena Solberg, na discussão de questões como identidade e cidadania.
Nader acrescenta solidariedade. Ele nunca se considerou videoartista, embora o rótulo lhe tenha sido colado. O interesse sempre foi jornalístico, humanista. O diretor conta que brinca com Amir Labaki, o criador do É Tudo Verdade. Diz que o festival deveria se chamar É Tudo Ficção. Mesmo que o documentário seja embasado na realidade, ao virar filme – quando o real é mediatizado pelo olhar do diretor – o resultado é ficcionalizado. Não é mais o real bruto. É outra coisa. Jasmine, ele diz, ‘com aquelas massinhas’ – os bonecos -, é ficção.
Nader pretende inscrever Homem Comum em outros festivais. E espera conseguir a solidariedade e cumplicidade de distribuidores e exibidores para lançá-los nas salas. Para ele, o ritual é fundamental. “A sala escura, a projeção no universo do filme.” Por isso, adverte – “não contem comigo para lançar na internet ou outros suportes. Cinema é cinema.”
Os premiados
Melhor longa (nacional)
Homem Comum
de Carlos Nader
Menção honrosa
Democracia em Preto e Branco de Pedro Asbeg
Melhor curta
Borscht, uma receita russa,
de Marina Quintanilha.
Prêmio da crítica
Homem Comum
Melhor longa (intern.)
Jasmine, de Alain Ughetto
Melhor curta (intern.)
Mãe É Deus, de Maria Back
Menção honrosa
O Domador de Peixes, de
Roger Gómez e Dani Resines.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
