Eis aí um filme rodado meio que no improviso, mas que, em razão do talento dos envolvidos, ficou um show. A Câmera de Claire, de Hong Sang-Soo, foi rodado durante uma estada do diretor num Festival de Cannes e contou com a presença, na cidade, da grande atriz Isabelle Huppert, incorporada ao elenco.
Ela é a Claire do título, mas a história começa de outro jeito e com outras pessoas. Durante uma viagem de trabalho a Cannes, a bela Manhee (Min-Hee Kim) é chamada para uma conversa com sua chefe. Para sua surpresa, Manhee é acusada de desonesta e, em seguida, despedida. Meio desconsolada, anda pelas ruas e conhece a francesa Claire, que também passeia e tira fotos com sua Polaroid.
Aos poucos, uma história sentimental, feita de ciúmes e rivalidade profissional, vai sendo desvelada – e muito devido ao efeito das fotos que Claire vai tirando dos personagens.
Há um comentário lateral sobre a questão das imagens, das fotos e do próprio cinema. Ao fazer suas imagens e mostrá-las em seguida às pessoas, é como se Claire fosse construindo uma narrativa na qual tudo passasse a fazer sentido. Não um significado único, mas um sentido possível. Como se as pessoas, desencontradas, se definissem através das imagens próprias fornecidas pela fotógrafa.
O sul-coreano Sang-Soo tem o timing das peripécias amorosas e um sentido agudo dos diálogos entre os personagens. A naturalidade com que os sentimentos afloram, se afirmam e se contradizem faz de seu cinema algo único no panorama atual. No passado, outros diretores – como François Truffaut e Eric Rohmer – trouxeram com leveza e dignidade as cirandas amorosas para o cinema.
Esse toque de magia agora pertence a Sang-Soo. Seus filmes são deliciosos. Parecem boiar no superficial. Apenas parecem. Como dizia Nietzsche, a profundidade pode ser apenas uma dobra da superfície.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.