Na Record ou na Globo, o lema na teledramaturgia é o mesmo: ?Em time que está ganhando, não se mexe?. Ainda mais diante da atual disputa entre as duas emissoras. A primeira começa a colecionar sucessos, mas a segunda luta para se manter na liderança. Nem que para isso tenho que antecipar a estréia de um novo folhetim, como Ciranda de pedra, de Alcides Nogueira, próximo das 18 horas. Enquanto isso, Caminhos do coração conquista picos de audiência de 26 pontos e média geral de 17, o mesmo que o recorde da Record.
Seu autor é Tiago Santiago, também responsável pelo maior êxito da emissora, Prova de amor, exibida em 2005 e 2006, e consultor de teledramaturgia da empresa. Ele decidiu esticar sua trama atual. Mas dessa vez Tiago exagerou: vai adicionar 120 capítulos aos 180 habituais de uma trama atualmente. E ainda espera estrear uma continuação da história logo depois do último capítulo de Caminhos do coração. Ou seja, no total, serão mais de 450 capítulos com mutantes pra todo o lado. O autor se livra de qualquer modéstia para justificar a decisão. ?Quando começo uma novela na Record, geralmente tenho que tirar da casa dos 10 pontos para chegar aos 20?, diz.
Enquanto Tiago comemora, Walther Negrão foi obrigado a reduzir Desejo proibido em cerca de 20 capítulos. A história tem encerramento previsto para 2 de maio, com 154 episódios. O autor entende que a baixa no Ibope de uma novela influencia nessa decisão, mas acredita que não é só a audiência que deve ser levada em consideração ao se modificar o tamanho de uma produção. ?Muitas vezes a repercussão pode estar nos comentários a respeito do trabalho e de um determinado enfoque?, defende.
A antecessora Eterna magia, de Elizabeth Jhin, também passou por isso e ficou no ar uma semana a menos que a sucessora, contabilizando 148 capítulos.
A idéia de esticar ou encurtar uma novela não é bem vista por todos os profissionais de tevê. O diretor Ricardo Waddington não acha que a melhor forma de manter a audiência de um horário seja dar mais capítulos a uma trama. ?É um erro estratégico. Uma novela precisa acabar no melhor momento. É como uma relação amorosa; se passar do tempo, desgasta?, opina. Ele mesmo precisou encerrar de uma hora para a outra a última temporada de Malhação. Mas Ricardo defende a atitude. ?Estava na hora de mudar. A história tem de ter fôlego para o público se interessar por ela?, explica. Antônio Calmon, autor de Três irmãs, que substituirá Beleza pura na faixa das 19 horas, concorda. Mas garante que nunca passou por isso. ?Normalmente minhas novelas têm mais de 200 capítulos. Em Vamp, tive que matar o vilão três vezes?, lembra, referindo-se ao vampiro Vlad, personagem de Ney Latorraca.
Marcílio Moraes não se esforçou para esticar Vidas opostas, a antecessora de Caminhos do coração na Record. Para ele, quem se propõe a escrever novelas tem de se preparar para essas situações. Só que nem sempre isso deu certo. Mandala, que Marcílio escreveu com Dias Gomes para a Globo em 1987, superou as expectativas da emissora e ganhou quase um mês a mais de exibição em sua reta final. ?O assunto estava esgotado e isso começou a ficar evidente. A idéia de prolongar a exibição de uma novela não pode surgir tão tarde?, enfatiza. Alexandre Avancini, diretor de Prova de amor, Vidas opostas e Caminhos do coração, concorda. E diz que esticar uma novela é sempre tranqüilo para quem dá forma aos pensamentos de um autor. ?É melhor um diretor esticar uma trama em um ano do que dirigir duas histórias diferentes. A dificuldade está em dar os tons dos núcleos, não em mantê-los?, justifica. Não menos desgastante que criar situações para estender uma trama é ter de jogar fora 20 capítulos e mudar tudo para tirar rapidamente sua idéia da grade. Margareth Boury passou por isso em junho, quando a Record tirou do ar Alta estação depois de nove meses de exibição. A novela sobreviveu bastante tempo, mas a idéia inicial era manter o folhetim por pelo menos quatro anos. ?O pior é ter que reverter tramas gravadas para serem mexidas ou eliminadas completamente?, lamenta. Apesar do choque, Margareth reconhece que não dá para esperar muito para o público se interessar em uma obra. ?É corajoso terminar. Não é uma luta que a gente vá vencer; o telespectador só migra se tiver motivos fortes?, conclui.
Efeitos colaterais
Para elenco, diretores e autores, é bom quando uma trama é esticada porque eles ficam associados a uma história de sucesso. Mas as pessoas que não têm seus nomes tão divulgados e que participam do projeto nem sempre pensam assim. Alexandre Avancini conta que os maiores problemas ao alterar o cronograma de finalização de uma novela é lidar com a obrigação de dar férias aos funcionários. ?A gente monta um rodízio, fica com gente a menos na equipe e acaba sendo mais exaustivo?, assume. Por essas e outras razões, Marcílio Moraes acha que o ideal seria que cada folhetim chegasse no máximo a 150 episódios. ?O autor não teria que encher lingüiça e a equipe trabalharia com mais folga?, sugere. Ricardo Linhares, é ainda mais radical. ?Por mim, todas deveriam ter 120 capítulos?, diz.