‘O Pintassilgo’ é um best-seller de ambição literária

A escritora norte-americana Donna Tartt, 51, já foi incensada por críticos e escritores como Stephen King (o que não é lá grande coisa), chegando a ser comparada a J. D. Salinger – o que, evidentemente, é um exagero. Seu romance O Pintassilgo, com suas 720 páginas, ganhou o Pulitzer e tem muitas qualidades que justificam sua premiação. Os defeitos aparecem com igual potência. O principal deles é forçar uma correspondência analógica entre os atos terroristas da atualidade e a explosão de uma fábrica de pólvora ao lado do ateliê, em Delft, do pintor barroco holandês Carel Fabritius (1622-1654), aluno de Rembrandt, matando o artista, aos 32 anos, e destruindo quase toda a sua obra.

Tartt, talvez inspirada na tática de Dan Brown, de conferir uma aura mística a pinturas do passado (O Código Da Vinci), elegeu um pequeno quadro de Fabritius, justamente O Pintassilgo (1654), como signo do cativeiro que mantém Theo Decker, o protagonista do romance, preso ao passado. Fabritius, que a escritora diz ter sido mestre de Vermeer (não foi), usou o pintassilgo, a exemplo de outros pintores antes dele (Rafael), como símbolo da paixão de Cristo – em razão da penugem vermelha em volta do bico, associada ao sangue do Redentor.

Com ou sem simbolismo, o fato é Donna Tartt faz com que seu Theo Decker, aos 13 anos, salve o quadro de um incêndio provocado pela explosão de uma bomba que mata sua mãe e outros inocentes no Metropolitan de Nova York. Todos sabem que O Pintassilgo foi uma das telas de Fabritius que escaparam do incêndio em Delft. É igualmente conhecido o fato de que o quadro jamais foi roubado. Pertence ao acervo do Mauritshuis de Haia e esteve exposto até 19 de janeiro numa mostra temporária da Frick Collection de Nova York. Trata-se, é claro, de uma licença literária da escritora (que levou milhares de pessoas a visitar a exposição por causa do best-seller). Por outro lado, é o tipo de invenção natimorta, anticlimática, ainda mais quando associada a um truque banal.

Dito isto, O Pintassilgo começa com promessas que não se cumprem. Theo Decker é uma atualização do Holden Caufield criado por Salinger (o garoto de O Apanhador no Campo de Centeio). Acorrentado ao passado, vemos um jovem febril num hotel de Amsterdã, tendo sonhos com a mãe morta no atentado terrorista, 14 anos antes.

Cheio de culpa por ter fugido com o quadro de Fabritius, que as autoridades acreditam ter sido destruído, e também por sua mãe estar no Metropolitan quando poderia ter ido a outro lugar, Decker vai encontrar o caminho da redenção num antiquário. Para superar a síndrome da culpa do sobrevivente, ele terá, antes, de passar pelo calvário daqueles que testemunharam o fim de uma era, marcada pelo ataque às torres gêmeas, em setembro de 2001.

A autora submete o protagonista a mais sofrimentos que um personagem de uma novela russa, estruturando seu romance com forte sotaque dickensiano – com direito a prólogo numa noite de Natal infeliz num hotel ao lado da igreja De Krijtberg (logo a de São Francisco), em Amsterdã. Decker reflete sobre o marco divisório que a morte da mãe representou em sua vida. Depois do atentado, ele vai morar na casa de um amigo, tão sombria que até as plantas murcham, para logo em seguida ser levado pelo pai alcoólatra e jogador a Las Vegas. Milhares de leitores adoraram acompanhar essa via-crúcis. Outros, nem tanto. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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