Quando Ernest Hemingway escreveu que Paris era uma festa estava se referindo, sobretudo, à Rive Gauche. A vizinhança minúscula entre o rio Sena e Montparnasse foi por muito tempo – nos anos 1930 e 1940 -a capital intelectual do mundo.
Foi lá, no reduzido espaço de varandas de cafés e de um punhado de livrarias, editoras e ateliês, que grande parte dos melhores escritores e intelectuais da época trabalhava, encontrava- se, concordava e discordava. De Londres a Nova York, de Moscou a Barcelona, tomava-se partido de Gide ou de Malraux, de Sartre ou de Koesler.
No livro A Rive Gauche, Herbert R. Lottman recupera a intensidade desse ambiente e recria os anos mais famosos desses arredores. Após uma extensa pesquisa histórica, com numerosos testemunhos, o autor propõe uma sociologia viva de um lugar onde se praticava o exercício do pensamento e a liberdade das idéias.
A Rive Gauche ganhou aura de polo irradiador de cultura engajada quando, em meados dos anos 1930, em plena depressão econômica que marcou o período entre guerras, os surrealistas começaram a frequentar o Deux Magots, o café que se tomou um dos pontos de convergência de artistas em Saint-Germain-des-Prés. Logo mais viriam os escritores, os poetas, os editores, os jornalistas – e a Rive Gauche se transformou na festa a que aludiu o romancista americano.
O universo recriado pelo autor vai muito além da Rive Gauche romântica, boêmia e vanguardista fixada para sempre na memória afetiva mesmo de quem nunca tenha flanado por suas ruelas estreitas. Longe de rótulos reducionistas, os personagens multifacetados ganham uma dimensão menos idealizada, mais humana.
A Paris sob ocupação nazista é o palco principal em que se opera esse redimensionamento. É lá, por exemplo, que a jovem Simone de Beauvoir flerta com a ideia de ter seu primeiro romance premiado por uma academia literária dominada pelos colaboracionistas. É lá também que um nazista francófilo, Gerhard Heller, se movimenta nas frestas do poder para defender membros da Resistência.
Como observa o jornalista e escritor Oscar Pilagallo, que assina a orelha do livro, “são contrapontos de uma história conhecida. E que demonstram que, à margem das narrativas edificantes, há sempre uma realidade mais complexa -e surpreendente”.
O autor
Nascido em Nova York, Herbert R. Lottman vive em Paris. Colaborou com a Harper’s, The New York Times e The New York Times Review of Soob. Foi correspondente da Publisher’s Weekly, bíblia dos editores de livros. É autor de importantes biografias, como as de Flaubert, Colette, o marechal Pétain, Júlio Verne e Albert Camus (considerada a biografia definitiva do escritor), entre outros livros.
Serviço
A Rive Gauche – Escritores, artistas e políticos em Paris 1934-1953. Escrito por Herbert R. Lottman. Tradução de Isaac Piltcher. Grupo Editorial Record/Editora José Olympio. 532 páginas. Preço: R$ 59,00.