O pensar fotográfico

rl110506.jpgQuem pensa a idéia criativa?

Quem pensa? É claro que é cada um de nós quem pensa. E este ato de pensar gera pensamentos. Ademais, como bem explica o filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, o ato de pensar é sempre único (pois é um fenômeno que acontece na mente do sujeito); mas o pensamento é universal (pois refere-se ao mundo, comum a todos nós).

Ao olharmos para uma imagem fotográfica, pensamos sobre as coisas, sobre os objetos visuais que a compõem. Cada coisa que vemos na imagem fotográfica passa a ter um significado, um sentido.

Ao olharmos para a imagem fotográfica O Beijo, de Robert Doisneau, por exemplo, vemos um casal que se beija em meio à Paris movimentada. Mas as idéias iniciais que nossa mente capta através do processo do olhar podem ser ampliadas e intensificadas. Na verdade, ao contemplarmos uma imagem fotográfica, nossa mente percorre estados mentais diversos que inevitavelmente geram idéias novas sobre o que vemos. Porém, se consideramos que o que sabemos sobre a imagem já é o suficiente, que O Beijo é o retrato de ?um casal que se beija em meio à Paris movimentada?, em outras palavras, se nos falta a curiosidade ou a vontade de ir um pouco mais além sobre O Beijo, então muito provavelmente não estaremos fazendo uso de nossa capacidade criativa (Na verdade, existe uma grande exceção para este caso).   

Porém, quando queremos ir além, ir mais fundo, começamos a captar idéias que de outra forma passariam desapercebidas. Podemos captar idéias que geram, ou que já são, genuínos high-concepts: idéias de grande qualidade criativa, que podem finalmente libertar-nos tanto das amarras dos dilemas quanto da aridez das idéias-fixas.   

Modalidades do pensar 

As pessoas pensam diferentemente umas das outras, segundo várias razões. Pensamos de formas diferentes porque temos visões diferentes de mundo. Um ianomâmi tem uma visão singular do mundo, que difere substancialmente da visão de um francês, por exemplo. Mas também pensamos diferente ao usar diferentes modalidades de pensar. Assim, eu posso olhar para uma imagem fotográfica e dizer: ?São sementes?! Ou ainda: ?A cor é ?quente??.    

Para o renomado neurologista luso-americano António R. Damásio, pensamento é o fluxo de imagens que acontecem na mente humana. Mas estas imagens não são apenas visuais; são também auditivas, olfativas, gustatórias e sômato-sensitivas. Aos diferentes sistemas sensoriais do corpo humano correspondem diferentes modalidades de imagem. Em outras palavras, diferentes modalidades de pensamento. 

Porém, seguindo um critério mais filosófico que biológico (ainda que inevitavelmente em correspondência com nossa ordem biológica), podemos caracterizar o pensar humano segundo as seguintes modalidades: física, afetiva, intelectual, e mental, propriamente dita.

Geralmente, nossa mente tende a permanecer em um estado de pensar específico. Adicione-se a isto o fato de que somos condicionados culturalmente e cognitivamente a valorizar mais a visão intelectual de mundo, ou seja, a modalidade intelectual de pensar. Quando olhamos para uma imagem fotográfica também tendemos a fazer uma decifração eminentemente intelectual da imagem. Daí a grande onda da Fotografia de viés sociológico, característica do século XX.

Isto não quer dizer que a visão intelectual do mundo seja uma visão pobre em si. Mas quer dizer que, em grande medida, tendemos a raciocinar segundo o hábito corrente. Nós também conseguimos uma boa dose de criatividade ao ampliarmos nosso conhecimento intelectual do mundo (afinal de contas, o conhecimento racional de um matemático é criativo). Mas, de fato, nós estamos deixando de fazer uso efetivo das outras 3 modalidades de pensar, que podem promover uma ampliação de nossas idéias e gerar belíssimos high-concepts.

A Idéia de nível superior

A nossa faculdade criativa pode ser descrita pela metáfora da cornucópia. Segundo a tradição, a cornucópia é símbolo da profusão gratuita dos dons divinos. High-concepts são os dons divinos; o pensar é a cornucópia.

Como disse Einstein, nós solucionamos efetivamente um problema quando nosso pensar alcança um nível superior. E quando pensamos sobre um problema em uma modalidade diferente do pensar, naturalmente uma idéia de nível superior, um high-concept pode ser gerado. Então, estas conexões criativas podem ser espontâneas. Estas idéias viriam, por exemplo, na forma de insights (revelações). Estes insights geralmente são idéias efetivas de grande valor prático e criativo.

Um nível superior de pensamento também pode ser alcançado quando eu inventario intelectualmente as diversas idéias que posso ter sobre um objeto visual, por exemplo, e reflito sobre estas idéias. E quanto mais antagônicas forem estas idéias sobre um mesmo objeto visual, maior a chance de eu encontrar, intelectualmente, um high-concept.    

Porém, estas abordagens não esgotam de forma alguma nossa capacidade de gerar idéias criativas, pois existe uma modalidade superior de abordagem criativa que é, em si, um high-concept em relação às modalidades do pensar. Na verdade, existe uma modalidade do pensar que é em si um nível superior em relação às demais, que tem o poder de expandir sinergisticamente todas as nossas faculdades cognitivas.    

O sinal

Por que O Beijo de Doisneau é considerado um patrimônio da humanidade? Que força misteriosa faz com esta imagem fotográfica atravesse gerações e gerações humanas, subsista a crises, e permaneça brilhando em nosso imaginário como uma estrela de luz clara? O que há nela que nos inspira a sermos mais humanos?

 As grandes obras de arte sinalizam que há nelas algo de especial. Algo que as faz serem eternas fontes de inspiração e elevação do espírito humano – elevação de nosso nível de pensamento. Há um fator universal no Beijo de Doisneau que ativa sinergisticamente todas as faculdades cognitivas de quem a contempla.

Na verdade, em cada imagem fotográfica que fazemos em nossas casas, e que nos encanta, este fator miraculoso também opera.  

Roberto Lopes (robertolopes@pron.com.br) é  fotógrafo, pesquisador da imagem e editor do site de  tecnologia fotográfica exclusivo do Paraná-Online ? Pensamento Fotográfico. Atualmente trabalha em um livro sobre a dimensão intelectual da Fotografia.

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