O Nordeste pop de Guel

Um ótimo programa para o final de semana é assistir à versão cinematográfica de Lisbela e o Prisioneiro, adaptação de Guel Arraes da obra de Osman Lins, que estréia hoje nos cinemas. A história é familiar – já rendeu um especial para a TV e uma peça de teatro, que ficou dois anos em cartaz entre Rio e São Paulo.

É uma comédia romântica que narra a tortuosa e divertida história de amor entre Leléu (Selton Mello), um picareta profissional do interior nordestino, e Lisbela (Débora Falabella), a mocinha apaixonada por filmes americanos, que sonha com os heróis do cinema. Entre eles estão o noivo de Lisbela (Bruno Garcia), o pai, delegado Tenente Guedes (André Mattos), a amante apaixonada de Leléu (Virginia Cavendish) e, principalmente, o marido dela, o matador valentão Frederico Evandro (Marco Nanini). Pode parecer banal, mas a maneira como Guel Arraes costura o texto de Osman Lins é sublime. E o elenco está excepcional.

Como em O Auto da Compadecida, o cenário é o interior nordestino. Selton Mello -que repetiu a dobradinha com o diretor em Caramuru -mais uma vez faz um malandro (aliás, de forma brilhante). E Marco Nanini volta a encarnar um matador – se no Auto era o cangaceiro que termina absolvido por Nossa Senhora, em Lisbela é o pistoleiro enfurecido pela traição da mulher.

Mas as semelhanças com a adaptação da obra de Ariano Suassuna terminam por aí. Ao contrário do Nordeste onírico, “amarelo” e clássico daquele, entra em cena o Nordeste colorido e festivo das feiras do interior, carregado pelo excesso de informações. “A gente queria uma distância grande daquela atmosfera mostrada no Auto”, define Arraes. “E acho que essa história de matadores, do machismo e dos cinemas populares se encaixa perfeitamente nessa estética, que ilustra bem o cotidiano do interior de Pernambuco, com o seu exagero kitsch”. Assim, cai por terra o argumento neurastênico da repetição de universo e atores.

Show

Mas o que interessa mesmo é o show de interpretação do elenco: Selton Mello, magnífico como o pilantra mulherengo, que se desdobra vendendo elixires milagrosos, números de mágica ou à frente de um circo de aberrações; Marco Nanini, que lapidou um pistoleiro impecável; Virginia Cavendish, que criou uma amante a um só tempo fogosa e dramática; e os coadjuvantes que roubam a cena em diversos momentos: o casal Tadeu Mello e Lívia Falcão, hilários como Cabo Citonho e Francisquinha, e Bruno Garcia, que compôs um noivo impagável para Lisbela, reproduzindo com perfeição o rapaz nordestino que vai estudar no Rio e volta “impregnado” dos trejeitos cariocas. A única que tem uma atuação um pouco mais apagada é justamente a personagem-título de Débora Falabella – embora seja bom vê-la como uma ingênua mocinha interiorana em oposição à junkie Mel de O Clone.

E não são só esses os trunfos de Lisbela. Guel Arraes, que tinha conseguido a proeza de levar a linguagem cinematográfica para a peça, no filme conjuga o ritmo da TV e a “interatividade” do teatro de uma maneira sutil e equilibrado, com resultado primoroso. Sem falar na trilha sonora, que merece um capítulo à parte: como na televisão, cada personagem tem um tema, que vão do inevitável Caetano Veloso (a esposa Paula Lavigne é produtora do longa) ao Cordel do Fogo Encantado. Mas ouvir a voz cavernosa de Zé Ramalho sobre as guitarras enfurecidas do Sepultura, enquanto Frederico Evandro arrasta suas vítimas, é quase transcendental. Não perca, e vá ver acompanhado.

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