Jorge Furtado sabe que não é o único, mas vai na contramão dos que acreditam que a imprensa – e o impresso – estão com os dias contatos, em tempos de internet. É motivo de aflição nos grandes jornais – como continuar atraindo leitores? Com tantos blogs, sites, a informação corre livre e solta. “É o problema. Esse tipo de informação raramente é apurado. Mais que nunca, é preciso bons jornalistas que façam seu trabalho investigativo.” Estreia hoje o novo longa de Furtado, o documentário O Mercado de Notícias. Nasceu com o declarado objetivo de discutir a imprensa – e os jornalistas – no Brasil atual. E não é só um filme. O próprio Furtado explica.
“Há tempos, eu vinha com essa vontade de discutir a imprensa. Pesquisando sobre o assunto, descobri uma peça do autor elisabetano Ben Jonson. O primeiro jornal surgiu na Inglaterra em 1622. Três anos mais tarde, Jonson escreveu sua peça, O Mercado de Notícias, que foi montada pela primeira vez no ano seguinte. No Brasil, era – é – inédita. Traduzimos, a professora Liziane Kugland e eu, e montei a peça exclusivamente para integrar esse projeto. Peça, filme e site. O filme poderia ser um trabalho eternamente em processo, porque todo dia surgem novidades em relação à cobertura da imprensa. Montei (com Giba Assis Brasil), mas o work in progress continua no site (www.omercadodenoticias.com.br), que continua sendo permanentemente alimentado. Hoje mesmo (a entrevista foi na segunda-feira), acrescentei material novo.”
Manipulação da informação, o jornalista como intermediário entre o fato e o leitor, a relação promíscua do jornalista com as fontes, a irrelevância de certas notícias que beiram mais a fofoca etc. Tudo isso já estava delineado na peça de Ben Jonson, contemporâneo de Shakespeare. “Como dramaturgo, ele foi um cronista de seu tempo, escrevendo peças sobre o que ocorria na época. É impressionante como conseguiu sacar de cara que o jornal era uma invenção de grande poder, mas também de grandes riscos”, avalia Furtado. Sua ideia foi a seguinte: enviou a tradução da peça para 13 importantes jornalistas brasileiros. Montou a peça para eles e filmou as entrevistas que lhe deram, debatendo os assuntos propostos por Jonson há quase 400 anos. As entrevistas foram editadas no filme. Estão na íntegra no site.
“Escolhi jornalistas da área política, e nomes conhecidos nacionalmente”, contextualiza o diretor, que elegeu, entre outros, José Roberto de Toledo (do jornal O Estado de S.Paulo), Jânio de Freitas, Paulo Moreira Leite, Luis Nassif, Mino Carta, Renata Lo Prete, Geneton Moraes Neto, Bob Fernandes. “São profissionais que respeito. Não chamei por veículo. Existem alguns de grande projeção e influência, mas não chamei ninguém porque não encontrei ali essas pessoas com credibilidade”, acrescentou.
Furtado tem consciência do risco – seu filme, como ele, poderá ser acusado de petismo. “Até tentei colocar algum noticiário polêmico da imprensa sobre o (ex-presidente) Fernando Henrique (Cardoso), mas não achei.” Alguns casos são exemplares – a bolinha de papel jogada no candidato José Serra e que foi tratada como atentado, na eleição de 2010; a cópia de Picasso que passou por original na sede do INSS, em Brasília; a tapioca que o ex-ministro Orlando Silva pagou com cartão corporativo (R$ 8); e o suposto caso de pedofilia na Escola Base de São Paulo, cujos donos foram julgados na imprensa para depois ser absolvidos na Justiça (mas o estrago já estava feito).
No caso da bolinha de papel, Furtado denuncia o factoide. “Fiz o que a imprensa deveria ter feito. Fui atrás e, no filme, mostramos quase com 100% de certeza que a bolinha foi lançada por um dos seguranças do candidato. O motivo fica por conta do espectador.” No caso do ‘Picasso’, Furtado chega a dar uma de Michael Moore e vai pessoalmente ao MoMa, em Nova York, onde está o original. “Não faço nada que um bom jornalista não deveria ter feito, em nome da apuração e da verdade.” O filme não deixa de iluminar uma suspeita – o alinhamento da grande imprensa com interesses de classe, representados por determinados políticos. Furtado não é contra isso. “É legítimo. O que não se pode é manipular e mascarar, tratando como verdades absolutas coisas que não são.”
O filme é indiscutivelmente bom – e necessário. “Sei que a imprensa não gosta de ser criticada e, para ser honesto, como diretor, também leio críticas que me aborrecem, outras que me divertem e as que levo em conta. A crítica é importante porque, eventualmente, vai te permitir crescer.” Uma frase dentro do filme é exemplar: “Quem lê a imprensa e tem certeza de tudo, está sendo mal informado.” Uma crítica que tem feito Furtado pensar refere-se à própria montagem do filme. A peça, muito bem interpretada por atores gaúchos, é como o fósforo que deflagra o fogo. No começo, é muito boa, mas, quando ele volta com o texto de Ben Jonson no desfecho, o assunto não é mais a imprensa, e sim uma trama de casamento. “Algumas pessoas têm reclamado disso e acham que espicha o filme além do necessário. Mas achei esquisito começar com a peça e depois abandoná-la. Entendo o que me dizem, mas é algo de conclusão.”
O Mercado de Notícias já estreou em Porto Alegre, onde fica a Casa de Cinema – produtora de Furtado e de um grupo de amigos. “Tivemos discussões muito interessantes. Existe uma demanda muito grandes das faculdades de jornalismo para ver e debater o filme.” O Mercado tem vida no exterior? “O foco é muito no Brasil, na política brasileira. Mas, se encontrarmos uma brecha para levar para fora, é claro que o faremos.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.