Em celebração ao centenário de nascimento de Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977), o Cinesesc, em parceria com o Cinusp e a Cinemateca, promove um ciclo de filmes e debates que se estende até o dia 7 de setembro. O que esses filmes programados, tão diferentes entre si como O Grande Momento e Hiroshima meu Amor, têm em comum? O fato de terem sido analisados pelo crítico alguns dos numerosos escritos que fazem parte do seu legado intelectual.

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Já no primeiro dia podemos verificar a amplitude de sua antena crítica. O Grande Momento, de Roberto Santos, está programado no mesmo dia de Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni. E ambos têm a companhia de As Grandes Manobras, do francês René Clair, e Em Busca do Ouro, do inglês Charles Chaplin.

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Observar essa diversidade de interesses é importante em momento em que se procura reavaliar o legado crítico de Paulo Emilio. Durante muito tempo, ele foi considerado um crítico, digamos, “exclusivo” do cinema brasileiro. Esse preconceito é partilhado, em geral, por gente que nunca o leu e o conhece apenas de ouvir falar. E, como quase todos os preconceitos, esse também é generalizado a partir de uma base de realidade.

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De fato, Paulo Emilio, na fase final da vida, concentrou-se de maneira intensa sobre o cinema brasileiro. Até mesmo produções tidas por “indignas” receberam dele atenção crítica. Dizia, com razão, que, por pior que fosse, um filme nacional era excelente ponto de observação do País, de sua mentalidade em determinada época, sua maneira de sentir e exprimir suas grandezas e misérias. Essa atenção estratégica, em uma fase de sua trajetória, não faz dele um crítico dedicado apenas ao cinema nacional. Pelo contrário.

Quem conhece a biografia de Paulo Emilio sabe que seu interesse primeiro foi pelo cinema estrangeiro e que o crítico teve formação cosmopolita e não provinciana. Em suas duas estadas em Paris, teve contato intenso com o cinema europeu e de todo o mundo. Beneficiado pelo fato de morar em cidade cinéfila como a capital francesa, viu de tudo e participou do frisson cinéfilo dos parisienses. Tornou-se amigo de Henri Langlois, o diretor da Cinemateca Francesa, e de André Bazin, fundador dos Cahiers du Cinéma.

Como pesquisador, Paulo Emilio foi pioneiro. Escreveu (em francês) uma biografia-estudo sobre o cineasta Jean Vigo, livro que preenchia lacuna na bibliografia francesa sobre os cineastas do país. Tornou-se referência do ensaísmo biográfico a partir dessa obra, que só mais tarde seria traduzida para o português. Existe uma edição luxuosa da Cosac Naify com os estudos sobre Vigo e seu pai, o anarquista Miguel Almereyda, acompanhada do DVD com a pequena, porém incontornável filmografia de Vigo: O Atalante, A Propósito de Nice, Zero de Comportamento e um documentário sobre o nadador Jean Taris.

Como crítico, Paulo Emilio foi sui generis. Se você está acostumado com a crítica de cinema praticada hoje em dia, rápida, pouco aprofundada, mais uma resenha de enredo que análise cinematográfica, pode se preparar para surpresa quando lê-lo. Densas, aprofundadas e muito bem escritas, suas críticas cumprem funções que deveriam ser a de qualquer escrito sobre arte: aproximar leitor e obra, iluminar seus desvãos, interpretar sem impor certezas. E, acima de tudo, contextualizar, pois a obra não se dá num vácuo social e, se não pode ser reduzida à conjuntura social, leva os traços desta em sua estrutura.

Ver os filmes propostos por essa mostra, e ir aos textos de Paulo Emilio, pode ser excelente exercício de contato com a obra e o que dela se escreve. Pode evocar também a qualidade do jornalismo cultural que já se praticou neste País. Digamos que o filme seja Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais. Ninguém duvida de sua importância. Um crítico como Michel Ciment, da revista Positif, considera-o divisor de águas, talvez a obra mais importante do cinema moderno.

Pois bem, Paulo Emilio escreveu nada menos que cinco (cinco!) artigos sobre Hiroshima, Meu Amor no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo. Acercando-se da obra com cuidado, vendo-a por ângulos diversos, respeitando-a como enigma colocado em desafio ao espectador. “O filme é absurdo e múltiplo como a realidade”, escreve em um desses textos. Caso raro de crítico que, ao colocar em ação seus dotes interpretativos, coloca-se à altura da obra-prima que tem diante de si.

MOSTRA 100 PAULO EMILIO

CineSesc. Rua Augusta, 2.075, Cerqueira César, tel. 3087-0500. De 1º a 7/9. R$ 3,50 a R$ 12 (grátis debate 6/9, 19h30).

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.