O “grilo falante” das TVs

São Paulo – Em uma pequena sala do Ministério da Justiça, em Brasília, dividida por baias, 13 pessoas se revezam na missão de assistir a 14 horas de televisão por dia, em todos os canais abertos. Não, não são aficionados por TV. Esse é o trabalho da equipe de monitoramento de programas livres (liberados para o público de todas as idades) do Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça.

Criado em maio por uma decisão judicial, o departamento – que antigamente só analisava sinopses de novelas e classificava filmes – tem como função monitorar e gravar todos os programas de todas as emissoras durante o horário livre da TV que vai das 6 às 20h. Vigiam programas policiais, de auditório, novelas, femininos e programas de domingo, como o de Gugu Liberato, do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), que vem causando a maior polêmica.

A equipe passa o dia peneirando as atrações atrás de cenas de sexo, violência, e todo tipo de conteúdo considerado impróprio para o horário. Uma vez preso nessa malha fina – que o Ministério enfatiza ser bem diferente de censura -o programa é reavaliado e, em seguida, a emissora é advertida pelo Ministério da Justiça.

“Os monitores fazem relatórios diários sobre as atrações, e as emissoras que passarem dos limites são notificadas e chamadas para conversar aqui em Brasília”, conta a secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas. “A equipe de monitoramento é composta por pessoas de diferentes idades, sexo e formação. Temos alguns formados em direito, outros em psicologia, arte, e até gente sem curso superior. Esse mix nos ajuda a ter diferentes pensamentos na análise dos programas”, acrescenta. “Não impomos nada, só queremos dialogar. Caso a emissora insista em abusar do conteúdo, nós temos o poder de reclassificar a atração, ou melhor, tirá-la do horário livre e colocá-la em um horário compatível com seu conteúdo.”

Lista negra

Pela lista negra do departamento já passaram, desde maio: a novela da Rede Globo de Televisão, Mulheres Apaixonadas, que foi classificada de vez para as 21h; Kubanacan; João Kléber, da Rede TV!, que levou mais de uma advertência; Verdade do Povo, da Record, com Wagner Montes; e Brasil Urgente, da Band.

“No caso de Kubanacan, que estava com muitas cenas de violência e sexo, tivemos uma conversa franca com o diretor Wolf Maia, que aceitou fazer algumas modificações”, lembra Cláudia. A Globo nega que Kubanacan tenha sido advertida.

Segundo a secretária, programas policiais – como o Cidade Alerta, da Record -costumam causar problemas, pois passam dos limites alegando estar transmitindo a notícia como ela realmente é. “Mostrar cadáveres, tentativas de suicídio ao vivo, perseguições com tiroteio são algumas das cenas que aparecem em nossos relatórios, pois há um limite tênue entre a informação real e o abuso, a exploração da imagem”, afirma. “Temos um programa desse tipo em uma TV local aqui em Brasília, o Barra Pesada (faz uma pausa para rir do nome) que costuma nos dar muita dor de cabeça”.

Do Vídeo Show à Hora da Verdade

O monitoramento também vigia atrações que não despertam a menor suspeita. O Vale a Pena Ver de Novo, por exemplo, da Globo, é fiscalizado com lupa quando resolve reexibir tramas que foram ao ar anteriormente na faixa das 21h. “As novelas costumam ser reeditadas, mas ficamos atentos”, diz Cláudia.

“Agora estamos de olho no Vídeo Show. Às vezes eles exibem reportagens e cenas de Mulheres Apaixonadas, que é classificada para outro horário. Outro dia vimos no programa a reprise daquele tiroteio na novela, depois, vimos uma matéria com as cenas das jovens lésbicas. Não podemos abrir exceções.”

Mas o Vídeo Show não passa nem perto das reclamações que o departamento de classificação recebe do programa A Hora da Verdade, de Márcia Goldschmidt, na Bandeirantes. “A Márcia não quer mudar, continua resistente, vamos ter de tomar providências”, adianta a secretária. “Um dia o tema era um marido que obrigava a mulher a se prostituir. No outro, uma avó que matou o neto porque ele era negro. Isso não é conteúdo para o horário.”

A Band confirma as advertências, mas diz, por meio de sua assessoria de imprensa, que nunca se negou em cumprir qualquer decisão do governo e que sempre teve uma postura de entendimento, inclusive para corrigir eventuais desvios na programação.

Classificação

Cláudia deixa claro que o único poder do departamento é classificação; punições de fato só podem ser buscadas pelo Ministério Público. “O caso da entrevista falsa do PCC no Gugu foi um fato isolado, mas, mesmo assim, mandamos uma advertência para o SBT”, conta ela. “Se insistirem na falta, podemos reclassificar o Domingo Legal”.

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