O novo O Grande Circo Místico não se restringe a uma evocação do primeiro que, concebido para o Balé do Teatro Guaíra no início da década de 1980, tinha como ponto de partida o poema A Túnica Inconsútil, de Jorge de Lima, e reunia canções de Edu Lobo e Chico Buarque. As bases permanecem as mesmas. Entretanto, a encenação que estreia nesta quinta-feira, 01, no Theatro Net Rio – Sala Tereza Rachel, no Rio, traz muitas mudanças. Basta dizer que, diferentemente do espetáculo anterior, dirigido por Emílio Di Biasi e roteirizado por Naum Alves de Souza, esse conta com texto – escrito por Newton Moreno e Alessandro Toller. Além disso, canções (casos de Abandono, Valsa Brasileira, Salmo, Acalanto) foram acopladas ao repertório original (como Beatriz, A História de Lily Braun, Ciranda da Bailarina), todas com arranjos a cargo de Ernani Maletta.
Edu Lobo acompanhou de longe o processo de criação do espetáculo. “Queriam incluir composições inéditas. Mas, no momento, Chico está envolvido com um novo livro”, justifica Edu no intervalo da estreia para convidados de O Grande Circo Místico, satisfeito com o resultado. “João Fonseca desarruma a canção e depois arruma. Ele se apropria totalmente do material”, elogia, referindo-se ao diretor da montagem e ao modo como as canções foram inseridas na malha dramatúrgica. Chico ficou distante. Deu, porém, o aval para o projeto. “Ele mandou um e-mail carinhoso, no qual afirmava que concordava com o que Edu falasse”, revela João. A encenação comemora, inclusive, os 70 anos de Edu e Chico. E O Grande Circo Místico também deverá desembarcar no cinema, em filme de Carlos Diegues.
A ideia de realizar uma versão teatral distinta partiu da atriz Isabel Lobo, filha de Edu, que se uniu à produtora Maria Siman na empreitada. Ambas levaram quatro anos para viabilizar o projeto. Na época do primeiro espetáculo, Isabel estava com 5 anos. Não por acaso, guarda vagas recordações. “Lembro do Maracanãzinho lotado. Achava tudo colorido, as músicas, bonitas”, assinala. Além de se comprometer com a produção, Isabel interpreta a vilã Charlote, que não mede esforços para afastar o noivo Frederico (Gabriel Stauffer) da mulher por quem ele se apaixonou, a bailarina de circo Beatriz (Leticia Colin). Para tanto, Charlote trata de enviá-lo para a guerra, apesar de saber que ele poderá morrer em combate.
A dramaturgia entrelaça a jornada romântica de Frederico e Beatriz com a dificuldade de sobrevivência do circo – que tem ainda entre seus componentes o Administrador (Fernando Eiras), a Mulher Barbada (Ana Baird) e o Clown (Reiner Tenente) – em período mais que adverso. Para criar o texto, Maria Siman chamou Newton Moreno (com quem firmou elo na montagem de Maria do Caritó) e Alessandro Toller. “Eu já tinha visto trabalhos do Newton centrados no universo lúdico e rústico do circo”, comenta Isabel.
Assim como Newton Moreno, João Fonseca esteve próximo de Maria Siman em Maria do Caritó. Convidado para conduzir O Grande Circo Místico, enveredou por um mundo quase inédito. Não viu o primeiro espetáculo – nem o registro em vídeo. “Comprei o disco, era fã da trilha, mas não assisti ao balé”, assume. E não tinha muito contato com o circo. “Minha única ligação com esse terreno foi como ator. Fiz escola de circo por cerca de oito meses, na década de 1980. Mas só consegui aprender malabares”, relata. João, contudo, lembra de mais uma experiência. “Integrei o elenco da montagem de Colombo. A preparação corporal era da Deborah Colker e fazíamos tecido”, menciona João, sobre a encenação de Marcus Alvisi para o texto de Michel de Ghelderode.
João Fonseca também vem se notabilizando como diretor de musicais – tanto os da corrente biográfica (Tim Maia – Vale Tudo, o Musical, Cazuza – Pro Dia Nascer Feliz), quanto os que não pertencem a essa vertente (Gota D’Água, Oui Oui… A França É Aqui! A Revista do Ano, Era no Tempo do Rei). “A relação com os musicais começou por acaso, quando Izabella Bicalho me chamou para o projeto de Gota D’Água. Depois veio a parceria com Gustavo Gasparani. Tim Maia surgiu de um convite de Sandro Chaim. O fato de Tim Maia ter sido aclamado levou as pessoas a me chamarem mais para os musicais. Mas nós somos vistos como diretores do sucesso recente. Quando assinei Minha Mãe É Uma Peça passaram a me considerar diretor de comédias”, observa João, que estreia, dia 29, no Centro Cultural Banco do Brasil, Cássia Eller – O Musical, dirigido com Vinicius Arneiro.
Fernando Eiras, por sua vez, adquiriu proximidade com o circo antes do início da carreira. “Meu pai (o radialista Haroldo Eiras) era amigo do Carequinha”, frisa o ator, aproveitando para citar montagens conectadas ao circo. “Fiz um palhaço em O Boi e o Burro no Caminho de Belém, peça infantojuvenil da Maria Clara Machado. O circo despontava como tema de A Caravana da Ilusão, de Alcione Araújo. E vejo o Barão Tuzenbech – de As Três Irmãs, de Chekhov – como um clown, no sentido melancólico, gauche.”
A música também é uma constante em sua trajetória. Cantou Menino Sol, de Edmundo Souto Neto, no Festival da Canção, em 1967. Participou de musicais ou de montagens com música dirigidos por Luiz Mendonça (Barreado, Faça do Coelho, o Rei), Luís Antônio Martinez Corrêa (Theatro Musical Brasileiro 1, Mahagonny), Wolf Maya (Village), Amir Haddad (Pixinguinha) e pela dupla Charles Möeller/Claudio Botelho (Ópera do Malandro, A Noviça Rebelde).
Em O Grande Circo Místico, Fernando Eiras volta a mergulhar na brasilidade. Seu vínculo com o País pode ser constatado com um acontecimento específico. O ator foi convidado para fazer parte do elenco de Os Náufragos da Louca Esperança, espetáculo de Ariane Mnouchkine, diretora do Théâtre du Soleil, apresentado no Brasil, e recusou. “Disse para ela: ‘Eu não sou em francês; eu sou em português’. Você é a sua língua, a sua pátria. Mas tenho profundo amor por ela e sou muito grato”, acrescenta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.