O futuro na ponta do lápis

E se o menino Cândido Portinari, ao invés de esboçar seus primeiros desenhos, tivesse crescido solto na rua? Aprendido a fumar e a beber aos 8 anos, passando rapidamente para a cola, thinner, maconha… e se em seguida abandonasse a escola, passasse a dormir fora de casa, cometesse pequenos furtos -tênis, comida, roupas -, passando depois a arrombar casas e roubar rádios de carros? E se ganhasse uma arma e fosse assaltar supermercados, ônibus, lojas de roupas? E se, inebriado pela sensação de poder e por drogas cada vez mais potentes (cocaína, crack), passasse a se envolver em brigas, fosse preso e espancado, testemunhasse a morte de amigos e amargasse dias dopado em hospitais psiquiátricos? Teria ele se dado conta do seu talento?

O garoto Denílson Paião, hoje com 18 anos, talvez não tenha a genialidade de um Portinari, mas domina a arte da ilustração e é capaz de reproduzir com perfeição pessoas e cenários. E atravessou a infância exatamente como descrito acima, cercado de violência, incompreensão, drogas, dor, fome, sangue e morte.

A partir de hoje, todo sábado ao meio-dia ele estará desenhando e mostrando os seus retratos no Empório Anarco do Mercado Municipal, em Curitiba. Semana passada ele teve a sua primeira exposição, e conseguiu vender 9 dos 10 desenhos que levou. “Eu nunca pensei que um dia alguém quisesse comprar meus desenhos, achava que qualquer um fizesse”, confessa. E hoje à tarde Denílson estará frente a frente com Juarez Machado, que abriu ontem na galeria Simões de Assis a exposição Veneza.

Acaso

O talento do garoto foi descoberto por acaso, quando ele passou por uma centro de reintegração em regime de semi-liberdade, depois de várias passagens pela delegacia de adolescentes: uma das voluntárias viu que Denílson estava “tatuando” os amigos com uma caneta, copiando desenhos de uma revista de tatuagem. Os desenhos eram bem feitos, e ela pediu que ele copiasse uma pequena “Emília”, impressa numa caixa de sabão em pó. Ele reproduziu a boneca em tamanho grande, com perfeição. Depois, construiu uma engenhoca usando um máquina de cortar cabelo, um garfo, tubo de caneta esferográfica, e passou a tatuar de fato os colegas – autorizados pelas famílias. Estimulado pelas educadoras, que forneciam material, começou a fazer os retratos, exibindo uma técnica fora do comum. Retratos fiéis de Che Guevara, imagens de Jesus Cristo, mulheres sensuais, crianças dormindo na rua. “Eu desenho o que eu sinto, gosto de mostrar o que eu vivi”, diz, encabulado.

Hoje Denílson mora num quartinho alugado e ganhou uma bolsa no curso de gravura do Museu Guido Viaro. “Às vezes eu não gosto, tem que ficar desenhando vasos, copos, e eu quero partir logo para desenhar pessoas”, conta. Vai voltar a estudar, e sonha em se tornar artista. Atualmente procura emprego como desenhista ou ilustrador. “Eu penso em viver disso, mas sei que é difícil”. Dia desses, Denílson foi ao shopping para comprar uma calça da moda, que ele queria muito. “É outra coisa comprar com o dinheiro do meu trabalho, e sair com a cabeça erguida”. Talvez ele não se torne um Portinari ou um Juarez Machado, mas já está desenhando um futuro melhor.

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