Vista dos prédios do Rio Iteberê. Foto de Flávio Rocha. |
?O bom fandangueiro é capaz de inserir-se em espaços de mediação e em circuitos de trocas amplos e diversos. Cantando, batendo, bailando e trocando fandangos, os fandangueiros estão a tecer suas historicidades, sociabilidades, alianças e prestígios nos espaços domésticos dos sítios, nos círculos dos bailes, ou mesmo nos espetáculos de fandango profissional. O fandango bem feito envolve bons tocadores, bons dançadores, bons batedores de tamanco, muita comida e bebida. O bom anfitrião, pela proporção de sua generosidade, capitaliza posições e prestígios junto ao grupo.?
Essas são algumas das conclusões da antropóloga Patrícia Martins, que realizou uma análise das relações sociais que envolvem o ?fazer fandango?, em sua dissertação de mestrado, recentemente defendida na Universidade Federal do Paraná, PPGAS – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social.
Com localização em Paranaguá, litoral do estado do Paraná, a ilha de Valadares inscreve-se nas fronteiras e nos trânsitos que integram os sítios, a ilha e a cidade. Nesses trânsitos, o fazer fandango na ilha atualiza-se constantemente, de tal modo que, segundo Martins, ?o fazer fandango se constitui como um divertimento trabalhado. Sua prática envolve dedicação e esforço por parte do fandangueiro, sem com isso excluir o elemento do encontro e da brincadeira?.
Um outro aspecto também interessante, ressaltado pela pesquisadora, é que não há um fandango em Valadares no singular. Lá são múltiplas as formas de fazer fandango. Apesar de hoje os fandangueiros morarem em Valadares, é do sítio que trazem suas lembranças e raízes. Chegando na ilha esse fandango não se conserva intacto e alheio, mas dialoga com novas realidades, formando-se como uma ?bricolagem?, um caleidoscópio do novo universo no qual está imerso.
Com base em autores como, Elizabeth Travassos (2004) e Maria Laura Cavalcanti (2001), enfatiza Martins que atualmente não se utilizam mais termos como primitivo, comunitário, rural, autêntico ou oral para a noção de cultura. O saber e a cultura são históricos e complexos, pois integram as autorias coletivas e individuais presentes em espaços urbanos e rurais, sagrados e profanos no âmbito da economia de mercado, e no circuito de dádivas e de políticas públicas. Nesse aspecto, o fandango, como bem cultural, não deve ser visto como forma cristalizada, mas como significado permanentemente atribuído pelos fandangueiros ao mundo.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestre em antropologia pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná – zeliabonamigo@uol.com.br