A história de Giovanni Boccaccio (1313-1375) e a de sua obra principal, o Decameron, são bem conhecidas. O escritor conviveu com a peste negra, que assolou a Europa. Com Florença apavorada pela doença, imaginou um grupo de jovens que resolve buscar refúgio fora da cidade.

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Para passar o tempo, contam histórias uns aos outros. Essas narrativas, que mesclam sabor satírico e erótico, representam mais que um entretenimento para passar o tempo e talvez espantar o medo. São, além de alta literatura, documento preciso sobre o modo de pensar e sentir dos homens e mulheres daquela época.

Outros autores se interessaram pelos cem relatos que integram a obra original. No cinema, Pier Paolo Pasolini adaptou algumas deles com o mesmo título do livro – Decameron, em 1972. O filme integrava sua Trilogia da Vida, junto aos relatos de Chaucer (Os Contos de Canterbury) e os das Mil e Uma Noites. Também nos anos 1970, um grupo de cineastas atualizou a ideia original de Boccaccio em esquetes, no longa de episódios Bocaccio 70: Fellini, Mario Monicelli, Vittorio De Sica e Luchino Visconti. Esse time de primeira grandeza vislumbrou o que poderia ter pensado um Boccaccio que tivesse vivido na aurora da nossa contemporaneidade, época assolada por outras pestes, talvez mais mortíferas que aquela da Idade Média.

Como dizia Italo Calvino, um texto clássico é aquele que nunca tem esgotado o seu leque de significações possíveis. É como se ele se atualizasse com o tempo e propusesse novas leituras aos contemporâneos. Desse modo, Boccaccio continua a encantar outros artistas e agora são os mestres Paolo e Vittorio Taviani a ocupar-se de sua obra. O novo longa-metragem da dupla de irmãos, autores de clássicos como Pai Patrão e A Noite de São Lourenço, chama-se Maravilhoso Bocaccio, maneira de explicitar, de início, a admiração que nutrem pelo escritor. Escolhem cinco das cem histórias e expressam, na tela, o sumo desse texto, e numa chave de leitura bastante original.

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Se Pasolini, à sua maneira provocativa, buscava o sarcasmo, a sensualidade e o “riso medieval”, os Taviani fazem prevalecer a pureza e a ingenuidade do amor. Ademais, pesquisam nas cores da pintura pré-renascentista a inspiração para envolver a trama num colorido que destoa da imagem soturna da época da grande peste. É curioso como historiadores contemporâneos buscam tirar da época medieval a associação clichê com a era das trevas. Se, de fato, havia muito de terrífico em alguns aspectos do medievo, em especial durante a epidemia, há também luzes inesperadas que agora são lançadas sobre o período. No próprio desenho visual, os Taviani nos conduzem por esse caminho. O filme é um encanto. E as histórias, saborosíssimas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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