Para qualquer autor de novelas, ter suas tramas na pauta do dia é sinal de sucesso. Na maioria das vezes, porém, para garantir um bom “falatório” é preciso caprichar nos temas polêmicos. Cenas sobre drogas, violência, homossexualismo e aids costumam ganhar as conversas no dia seguinte. Mas podem provocar a rejeição do público, afrontado com a força das imagens ou a invasão de assuntos pouco ortodoxos na sala de casa. Encontrar o equilíbrio entre a ousadia que atrai a audiência e o exagero que a afasta passa a ser a principal tarefa dos autores. E para achar este ponto, garantem eles, não há fórmulas.
A novela “Mulheres Apaixonadas” parece comprovar a teoria. A trama mistura romances de mulheres mais velhas com homens mais jovens, homossexualismo, preconceito social, uma neta que maltrata e rouba os avós, violência doméstica e uma socialite que não mede esforços para seduzir um padre. Ou seja: tinha tudo para exceder os limites dos “conservadores de plantão”. Mas uma recente pesquisa encomendada pela Globo mostrou que até a relação de Clara e Rafaela, personagens de Aline Moraes e Paula Picarelli, conta com a simpatia do público. “Sem polêmica não existe interesse. Só não pode ser gratuita, para escandalizar. Trato dos assuntos com delicadeza e responsabilidade”, defende Manoel Carlos.
Sensibilidade
A sensibilidade do autor é a medida também para Maria Adelaide Amaral. Apesar de nunca ter escrito sobre um tema “espinhoso”, o fato de adaptar obras conhecidas ou fatos históricos, como na minissérie “A Casa das Sete Mulheres”, sempre provoca reações acaloradas. “Para os historiadores, o tema continua vivo. Eles criticaram o modo como mostrei o Davi Canabarro e o fato de não ter denunciado a questão indígena”, revela a autora, acostumada às críticas. Já Antônio Calmon foi pego de surpresa ao mostrar o aborto de Lara, personagem de Deborah Secco em “O Beijo do Vampiro”. O autor acreditava que o assunto não fosse mais um problema. Mas sofreu forte rejeição das telespectadoras. A polêmica, neste caso, foi involuntária. Até porque Calmon não acredita que a tevê seja o melhor espaço para a discussão de temas-tabu. “Minha preocupação é fazer algo que não constranja as pessoas”, justifica.
Surpresa também ficou Glória Perez ao abordar as drogas em “O Clone”. Apesar de já ter tocado em assuntos como a doação de órgãos e a barriga de aluguel e falar, na mesma novela, da clonagem e do mundo muçulmano, a autora garante que o problema dos dependentes foi o mais polêmico de suas tramas. “As pessoas reagiram mal quando mostrei os meninos experimentando maconha. Se tivesse me impressionado, não teria feito a campanha”, comenta. Da mesma forma, entre tantos assuntos “escandalosos”, a campanha da terceira idade é a que mais ganha destaque em “Mulheres Apaixonadas”. “É minha trama mais polêmica e, por enquanto, a que mais motiva a sociedade”, garante Manoel Carlos.
Agressão
Não à toa, a atriz Regiane Alves, que faz a vilãzinha Dóris, até foi agredida com um jornal enrolado, empunhado por uma idosa nas ruas. Exatamente o contrário do sentimento despertado por Guilherme Piva em “Xica da Silva”, exibida pela Manchete em 1997. O autor, Walcyr Carrasco, acreditava que o homossexual Zé Mulher pudesse encontrar resistência do público. “Mas ele era amado pelas pessoas”, lembra Walcyr, para quem não há tema que não possa ser abordado nas telenovelas. “Qualquer abordagem ética atrai o público”, opina o autor, que vai falar sobre a automedicação em sua próxima trama, “Chocolate com Pimenta”. “O negócio é ir fundo. Se ficar na maquiagem, o preconceito vence”, reforça Glória Perez.
É o medo do preconceito que faz o autor Ricardo Linhares adiar o romance entre Juca Tigre e Antônia, personagens de Miguel Falabella e Vera Fischer em “Agora é que São Elas”. O “aquecimento” da paixão dos dois foi uma das reivindicações do primeiro grupo de discussão sobre a trama. Mas Ricardo acha que ainda é preciso esperar. “Não posso caracterizar um adultério. O público rejeitaria a Antônia se ela fosse uma adúltera”, aposta, sem querer pagar para ver.
Medidas de cautela
Pode até ser que não haja fórmulas para garantir a boa reação do público a um tema polêmico. Mas há autores que se cercam de todas as precauções possíveis para evitar reações negativas. É o caso dos roteiristas que escrevem “Malhação”. Responsável pela atual temporada, Ricardo Hofstetter segue a “cartilha” já adotada por autores como Ricardo Linhares, Emanuel Jacobina e Andréa Maltarolli. “O casal protagonista só vive a primeira transa quando passa para o núcleo secundário”, exemplifica o autor. Temas polêmicos não faltam no “folheteen”, que já falou de aids, drogas, gravidez na adolescência e masturbação. “Os protagonistas têm muito impacto junto aos adolescentes. Temos de tomar cuidado com o que fazemos com eles”, justifica Hofstetter, que vai tratar do preconceito na nova temporada. Mas o centro da questão é o irmão do protagonista, Bruno, vivido por Kaian Raia, que sonha em ser bailarino.
A preocupação é parecida com a que tem Antônio Calmon. Acostumado a escrever para o horário das 19h, o autor toma muito cuidado com os romances adolescentes de suas histórias. Em “O Beijo do Vampiro”, o vampirinho Zeca, vivido por Kayky Brito, trocou no máximo uns selinhos com as duas namoradas que teve na trama, Bia e Pandora, interpretadas por Cecília Dassi e Juliana Lohmann. “Conheço o comportamento sexual de jovens na idade deles e sei que não refleti a realidade. Mas acho uma irresponsabilidade estimular determinados comportamentos no horário das 19h”, explica.