No ano passado, Sergio Guizé dava vida ao ingênuo Candinho, na novela das 18h, Êta Mundo Bom!, de Walcyr Carrasco, arrebatando espectadores de todas as idades, inclusive crianças. Mas, em pouco mais de um ano, o ator saiu de um personagem adorado para encarnar um outro odiado. No ar na novela das 21h, O Outro Lado do Paraíso, também de Walcyr, que estreou há duas semanas na Globo, ele interpreta Gael, um rapaz possessivo, cujas atitudes violentas contra a mulher, Clara (Bianca Bin), repercutiram muito nas ruas – e nas redes sociais. Foi forte a cena em que Gael estupra Clara na noite de núpcias.
Gael e Clara estão no cerne de um dos temas polêmicos tratados pelo autor em sua nova trama, com direção artística de Mauro Mendonça Filho: a violência doméstica. Um desafio e tanto para Sergio Guizé, o vilão da vez no horário nobre. “Todo mundo sabia que ia ser muito difícil essa coisa do Gael, todo mundo falava: ele é um monstro. Não tem como gostar desse personagem, mas ele tem um outro lado”, afirma Guizé, em entrevista. “Ele ama muito a Clara, e ele vai mudar a trajetória dele a partir desse encontro, ele não quer perdê-la de jeito nenhum.”
O ator vê na família de Gael e em sua criação as origens do comportamento agressivo do personagem. “Ele foi criado por essa mãe (Sophia, vivida por Marieta Severo) para ser o homem, o macho, ele cresceu com essa coisa de ‘você é fraco’, ‘você é frouxo’. Ele é influenciado e manipulado pela mãe, que é ambiciosa, diz que pensa no bem da família, mas ferra a cabeça dos filhos.”
Guizé diz acreditar na redenção do personagem, mas que ele tem que pagar pelo que fez. “É muito difícil você defender um criminoso. Ele está errado, nenhuma forma de violência justifica. Ele diz que é por amor, mas é uma obsessão, um ciúme doentio. Isso vem da cultura machista, não da masculinidade”, pondera. “É um personagem dificílimo, é dificílimo defendê-lo, humanizar. Acredito que ele é um criminoso, tinha que ser preso.”
O ator soube do papel enquanto ainda estava em Êta Mundo Bom! e iniciou a preparação, junto com o restante do elenco, há seis meses. Assistiu a filmes, documentários, séries, leu sobre assunto. E absorveu tudo com estranheza, porque aquilo era muito diferente do que sempre viu dentro de casa. “Minha mãe e meu pai são pessoas bem presentes na minha vida. Minha mãe toma conta de tudo, é uma mulher muito forte, respeitada pelo meu pai”, conta. “Minha mãe sempre me ensinou a igualdade de todos os seres e que todo mundo é capaz de fazer tudo: ‘meu filho, o mais importante é você ser um ser humano do que ser macho’.”
Guizé não tem redes sociais, mas sabe que existe uma onda de ódio contra o personagem, que, muitas vezes, respinga nele próprio. “Rola muita fofoca a meu respeito, as pessoas confundem, minha mãe chorou muito, tadinha, porque ela me conhece. Isso é ruim, querem que eu vire um bad boy. Não entendo direito o que as pessoas querem inventando umas coisas horrorosas, de violência, de álcool. Procuro ficar focado no meu trabalho. E proteger minha família nesse sentido.”
Esse seria seu papel mais complexo da carreira? Guizé não sabe ao certo.
Afinal, ele, que tem formação no teatro, já encenou no palco textos como Crime e Castigo, de Dostoievski. O que não tira o nível de extrema dificuldade que Gael lhe proporciona. Um personagem cheio de camadas e nuances que só um ator com os recursos dramatúrgicos de Guizé poderia fazer, sem cair no caricato ou no “overacting”. Aos 37 anos, o ator nascido em Santo André (SP) vive um importante momento de sua trajetória – ele tem muitos anos de palco, se destacou na televisão como João Gibão, no remake de Saramandaia (2013), e conquistou o público de vez em Êta Mundo Bom!, no ano passado.
Antes de mergulhar de cabeça em Gael, Guizé rodou quatro filmes, Tudo Bem Tudo Bom, Terapia do Medo, O Homem Perfeito e Mulheres Alteradas – além de esperar o lançamento de um outro longa, que filmou em 2013, Beatriz. Voltou ainda ao palco, na peça Oeste Verdadeiro, que lhe rendeu indicação de melhor ator no Prêmio Shell de Teatro – os vencedores serão conhecidos no início de 2018.
Também artista plástico e músico, ele continuou se dedicando a seus quadros e gravou um disco, Tudo Sagrado, com sua banda Tio Che. E de volta a Gael, tem receio da rejeição ao personagem? “Acho que artisticamente, para mim, está muito positivo, todo mundo fala do trabalho”, diz. “É um personagem que tem uma importância social, ele está representando isso tudo que ninguém quer ver, que acontece diariamente. Estou servindo como instrumento para esse projeto. A mensagem da novela é essa: vamos denunciar, fale para uma amiga, para um familiar. O criminoso tem de pagar.”