Quando foi que Rosane Svartman teve a ideia maluca? No começo do ano, quando o repórter visitou o set de Pluft, o Fantasminha, no Rio, a diretora filmava uma cena de estúdio. Um sótão. A garota encontrava o fantasminha. O décor era muito preciso, a garota contracenava com… um dublê, porque o intérprete de Pluft ainda nem havia sido escolhido. E Rosane explicava sua ideia. Para criar o efeito do fantasma, ela não queria uma simples transparência. Queria criar o movimento, Pluft flutuando no ar. Mas como? Filmando-o debaixo d’água.
Parecia impossível, mas Rosane e a produtora Clélia Bessa, sua sócia na Raccord, não se assustaram com o tamanho da encrenca. Há poucas semanas, o repórter voltou ao set de Pluft, agora no piscinão da Escola de Bombeiros de Franco da Rocha, município da Região Metropolitana de São Paulo. A piscina para treinamento dos futuros bombeiros é gigantesca. Profunda. E lá dentro – maluquice! – a atriz Fabíula Nascimento filmava uma cena. A mamãe fantasma. Fabíula respirava por aparelho. Ao redor, um aparato gigantesco. Homens-rãs. O cameraman, o pessoal da segurança. A roupa da atriz, apropriada, para não esvoaçar. “Agora, vamos filmar”, anuncia a diretora, que se comunica com Fabíula debaixo dágua. “Rodando!”
Fabíula, privada do oxigênio, tricota e fala, de olhos abertos. Mas ela tem de falar de um jeito que não produza bolhas.
Incrível, e interminável. “Corta!” Fabíula volta para o ar, o homem-rã assistente da produção arruma o cabelo, o vestido. A operação se repete até que a diretora, que acompanha a cena pelos monitores, na superfície, se dê por satisfeita. Fabíula precisa ser retirada da água, e é outra operação. A roupa parece pesar uma tonelada, tudo parece tão complicado. Mas ela sai radiosa. Abraça o repórter. “Tá vendo? Sou atriz até debaixo dágua!” Imediatamente, se reidrata tomando água, usa colírio nos olhos. Rosane conseguiu. Está fazendo Pluft em 3D e debaixo dágua para que, no final de 2018, quando o filme estiver pronto para estrear, o público encontre na tela o movimento diáfano que sonhou.
James Cameron criou parâmetros para filmagem debaixo dágua em O Segredo do Abismo, de 1989. Mas quando, neste ano, a Disney iniciou conversações com Sofia Coppola para fazer a versão live action de A Pequena Sereia e ela bateu pé que só faria debaixo dágua, os executivos do estúdio não quiseram nem saber.
Impossível, muito arriscado. E caro. Rosane e Clélia Bessa fizeram. Terminada a fase da água, o filme está em montagem para juntar as duas partes, a filmada no começo do ano e as novas cenas do fantasminha, agora com seu intérprete. Nicolas Cruz está no set. O moleque vem conversar com o repórter de cabelo lambido, molhado. É um reizinho, paparicado por todos. Nicolas foi escolhido por teste. Passou por toda uma preparação. Condicionamento físico, aprender a respirar, a falar debaixo d’ água. E, muito importante, de olhos abertos.
A água tem de estar límpida, transparente de verdade. O cloro, indispensável, é dosado a toda hora. Sem a limpidez, a cena filmada, por maior que tenha sido o esforço, pode estar estragada. E uma simples bolha saindo da boca de um dos atores – de Fabíula, de Nicolas – você não faz ideia de como sai caro para eliminar digitalmente. Fabíula começou no teatro infantil.
“Meus amigos morrem de inveja, mas é a boa inveja, por eu estar fazendo o filme da Maria Clara.” Maria Clara Machado, criadora do lendário Grupo Tablado, também é a autora de Pluft, o Fantasminha. Gerações de espectadores vêm acompanhando essa história. Gerações de atores a fizeram, desde os anos 1950 (a peça é de 1955). É a história do sequestro de uma menina, a Maribel, pelo malvado pirata Perna de Pau. Escondida no sótão de uma velha casa, ela conhece uma família de fantasmas e faz amizade com Pluft, o fantasminha que tem medo de gente. É essa história que Rosane Svartman está contando.
A piscina – o piscinão – está empacotada. Roberto Faissal inventou uma forma de iluminar debaixo dágua. O empacotamento faz parte. É para evitar a filtragem de qualquer raio de luz que, em contato com a água, produziria prismas luminosos. O famoso arco-íris é indesejado na piscina de Franco da Rocha. Quanto custaria uma produção dessas em Hollywood? Incalculável. Clélia Bessa usa o orçamento justo. “Quando a gente não tem dinheiro demais, a gente inventa soluções. Cria e recria”, avalia a diretora. O jeito brasileiro de filmar. Pluft passa por um ano de pós-produção – na O2. Deve chegar aos cinemas com a nova versão de Mary Poppins, megaprodução da Disney programada para o fim de 2018. Clélia Bessa não teme a concorrência. “Nossa história é melhor”, garante.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.